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Por Mário Henrique Sant´Ana da Silva
Viajei à Alemanha no ano passado a fim de estudar na universidade de Passau, no estado da Baviera, Sul do país.
Há dois anos atrás recebi informações sobre o intercâmbio, o qual dizia que alunos da UFJF poderiam estudar nessa universidade alemã por meio ano com bolsa de €550. Fiz minha inscrição e passei. Fui no dia 25 de agosto de 2005.
Quando na Alemanha cheguei, tive um choque cultural enorme. Tudo era muito diferente do que imaginava. Tinha a impressão que estava num filme e que acordaria em segundos, já que de certa forma a “ficha não tinha caído”. Meu corpo tinha chegado, mas eu estava ainda no Brasil. Esse estado durou pelo menos três meses. Sentimento de estranhamento cultural foi aguçado pelo fato de que não dominava a língua; setembro é mês de férias, por isso se encontravam pouquíssimos estudantes na cidade e porque os habitantes da cidade falavam dialeto (bávaro) e não a língua oficial (alemão)
Esse sentimento se acentuou, já que fiquei na república da Uni-passau sem outros brasileiros. Eles têm o hábito de deixarem os alunos de mesma nacionalidade em casas diferentes, para que possam aprender a língua alemã mais rapidamente (eles têm a noção do quão difícil a língua é). Tive contato com as pessoas que viajaram comigo por quatro semanas, no máximo, e depois me separei deles. Eles tinham vontades diferentes das minhas; gostavam de boates e sair à noite e eu ficava em casa. Combinavam de ir ao restaurante universitário e não me chamavam, faziam festas e não me diziam, iam a algumas festas populares, mas não me esperavam.
Com esse afastamento aproximei-me dos alemães. Fiz poucas, mas boas amizades, que me ajudaram muito no aprendizado da língua e da cultura. Com eles aprendi o que é a Baviera e digo aos leitores algo interessante: a idéia que os brasileiros têm da Alemanha corresponde ao estado da Baviera (estado sede da BMW) e de Baden Württemberg (estado sede da Mercedes Benz, no sul do país e ao lado da Baviera).
Percebi como eles são mais sintéticos, frios e racionais que nós. Escreverei algumas situações que me fizeram chegar a essa conclusão: as respostas dos Bávaros são bem curtas: Ja ou nein. Pode-se conversar por um bom momento com eles e serão monossílabos, mas não quer dizer que a conversa não os interessa, pelo contrário. Se não os agradasse, eles provavelmente não conversariam.
São um povo mais reservado que os brasileiros, mas não quer dizer que são mal educados. Certa vez este ano estava na estação de Munique e gostaria de pegar o metrô. Não sabia qual ticket, por isso perguntei a seis policiais. Depois que fiz a pergunta, eles simplesmente não olham para mim. Depois de alguns segundos (que para mim duraram uma eternidade) um jovem pegou o dinheiro da minha mão, comprou o ticket, disse “BITTE SEHR” (de nada) e voltou para junto dos seus colegas.
O que me chamou bastante atenção foi a seriedade dos trabalhadores. A infra-estrutura é muito boa, mas a eficiência dos funcionários é algo espantoso. Eles trabalham e suas funções são cumpridas de forma rápida. Obviamente há burocracia, e muita, mas a politicagem, falta de compromisso com o trabalho, com o ensino e com os alunos é muito pequena. Professores que não se enquadram ou não querem se enquadrar são simplesmente demitidos sem problemas burocráticos. Isso deixa bem claro que os professores têm a consciência de que eles formam pessoas, as quais irão comandar o país no futuro.
Muita coisa no país é muito racionada e cara. Educação e os hábitos em prol do bem estar social impostos por uma sociedade com mais de mil anos, fortemente controlada pelo estado (se a lei não é cumprida, recebe-se uma multa). Do contrário que se diz e pensa, os alemães não andam na linha sempre. Eles muitas vezes o fazem, por imposição.
Já destruíram muito de suas florestas, tiveram colônias na África de onde veio parte da matéria prima do desenvolvimento industrial do século XIX, ocuparam boas parte da Europa.
Há pobreza na Alemanha, muitas pessoas não possuem um teto para morar, por isso precisam invadir prédios semi destruídos. Lixo e pichações são encontrados nas ruas das grandes cidades, Há ainda Skinhead e nazistas retardados com seus Pitbuls (não são muitos, o governo faz o que pode para manter suas ideologias só no campo das idéias), há quebradeiras sem razões significativas, os alemães estão céticos com a política e há corrupção (não tanto quanto no Brasil, é claro). Eles são o país europeu com o maior número de crianças paupérrimas, segundo alunos da universidade. A desigualdade e a taxa de desemprego social está aumentado cada vez mais, por isso 48 mil alemães saíram do país em busca de emprego no ano passado, imigrantes ilegais do leste europeu são um problema, A União européia fez com que os preço, por conseguinte a inflação, do país dobrasse em 5 anos. A Alemanha está longe de ser um sonho de consumo, eles têm problemas sim, e dos bem grandes.
No semestre de verão (abril até agosto) tive de trabalhar, pois não recebi mais a bolsa e por ter decidido ficar mais um semestre. Aprendi como não tratar as pessoas. As relações entre chefes e empregados é de subordinação, creio. Ou seja, aqueles mandam e estes obedecem sem questionar. Trabalhei como garçom e depois barman, por isso pensei que essa realidade fosse para esse tipo de trabalho. Não. Depois de conversar com pessoas de outras áreas (Au pair, caminhoneiro, advogado, promotor de eventos) percebi que essa realidade é bem comum. As relações de trabalho alemã não são nem melhores nem piores que as brasileiras. Dizem que lá se ganha mais do que aqui, outro engano. Muitas pessoas ganham pouco dinheiro, mas são ajudadas pelo governo, já que o estado de bem estar social é bem equipado.
O Mário que foi à Alemanha não é o mesmo que voltou. As experiências me foram muito válidas, pois pude desmistificar a realidade alemã e mais aprender a língua muito bem, vivenciei um modo de vida bem diferente do brasileiro.
Ter estudado em universidade alemã me deixa muito orgulhoso, mas não tive e não tenho vontade de continuar lá. Gostei de ter voltado e pretendo praticar as boas coisas aqui no Brasil. Afinal eles (os europeus) já tiraram muito de nós, então está na nossa vez de retiramos algo deles também, isto é, o conhecimento deles.
PS: outra curiosidade o povo que mais toma cerveja no mundo não são os alemães, mas sim os tchecos
Graduação em Turismo
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