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Transtornos alimentares são fatores de risco ao suicídio

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Nutricionistas têm papel fundamental para orientação nutricional e encaminhamento de pacientes à psicoterapia.


Considerando a área de nutrição e preocupado em avaliar quais condicionantes podem desencadear ideações e comportamentos suicidas, o Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) se dispõe a contribuir para ampliar o debate em torno do Setembro Amarelo. É importante atentarmos para o risco de as pessoas desenvolverem transtornos alimentares, que alteram a maneira como elas se alimentam e percebem a aparência física/estética de seus corpos, bem como os pensamentos e sentimentos relacionados à alimentação.

 

Quem tem algum desses transtornos geralmente se preocupa de modo exagerado com dietas, peso e forma corporal, tomando medidas extremas em resposta a essas inquietações.

 

Numa perspectiva psiquiátrica e psicológica, transtornos alimentares também são fatores de risco para a ideação e o comportamento suicida, predispondo as pessoas acometidas a interromper a sua própria vida, em especial os jovens de 12 a 18 anos e as mulheres de 12 a 35. Essas doenças envolvem padrões de conduta desviantes, divergentes do habitual, que afetam negativamente a saúde física e/ou psíquica. Transtornos de ansiedade, depressão, abuso de álcool e/ou drogas psicoativas são frequentes em indivíduos com transtornos alimentares.

 

A anorexia e a bulimia nervosas são os transtornos que mais reúnem elementos de predisposição ao suicídio e tendem a aparecer em quem tem transtorno de personalidade limítrofe (borderline). No primeiro caso, pessoas com tais distúrbios comem muito pouco e passam a ter um baixo peso corporal; no segundo, comem muito e, em seguida, tentam se livrar da comida com o uso de laxantes ou incitação ao vômito.

 

Insatisfação
Indivíduos com anorexia e/ou bulimia nervosas costumam ser extremamente críticos com a silhueta e a imagem que seus corpos apresentam. É comum que se sintam gordos, mesmo que aparentem muito emagrecidos ou desnutridos. Via de regra, têm medo intenso de engordar, o que afeta as suas ações, atividades e condutas cotidianas, assim como o seu convívio social.

 

As constantes alterações de apetite estão entre as primeiras manifestações desses dois tipos de transtorno alimentar. Tanto a anorexia quanto a bulimia também se desenvolvem apoiadas em situações como quadro de instabilidade acentuada, hipersensibilidade nos relacionamentos afetivos, resistência à autoimagem ou ao sentimento do self.

 

Na maioria das vezes, pessoas com transtornos alimentares não reconhecem que têm problemas de saúde. É como se não percebessem o sofrimento físico e psicológico que enfrentam ao lidar, de maneira equivocada, com uma dieta inadequada e nada saudável às suas reais necessidades orgânicas, de bem-estar e qualidade de vida. Cabe ressaltar que distúrbios como anorexia e bulimia não estão relacionados à obesidade.

 

Padrões de beleza
Em tempos de fake news, é crescente a quantidade de informações inverídicas e truncadas sobre alimentação e nutrição, difundidas principalmente em sites, blogs e mídias sociais. Normalmente, os assuntos incluem o emagrecimento, a “limpeza” do corpo (métodos detox) ou a potencialização da saúde por meio de alimentos, procedimentos e/ou suplementos alimentares milagrosos, que enchem os olhos de quem busca se enquadrar em padrões de beleza estereotipados e bastante rigorosos.

 

Nesse contexto, celebridades da internet têm tendência a replicar apenas o que os seus seguidores gostariam de ler e/ou ouvir, propagandeando produtos e práticas que prometem facilidades e benefícios baseados no senso comum, com baixo nível de evidências científicas ou nenhum suporte científico. Dessa maneira, é possível que essa avalanche de informações induza modismos, padrões alimentares e dietas não usuais, contribuindo para causar danos à saúde e comprometendo a segurança alimentar e nutricional da população.

 

O CFN recomenda a análise crítica sobre divulgações midiáticas tendentes a comprometer hábitos adequados e saudáveis relacionados ao que a gente consome dentro e/ou fora de casa: no café da manhã, no lanchinho do trabalho, antes da academia, da caminhada, na hora de dormir. Também é preciso ir contra situações em que notícias falsas, irresponsáveis e nada criteriosas são compartilhadas desmedidamente, o que só colabora para reforçar as estatísticas de pessoas com algum desses transtornos alimentares.

 

Vale lembrar que, de acordo com a legislação federal, somente nutricionistas devem realizar assistência e educação nutricional a coletividades ou indivíduos, bem como prescrever dietas.

 

Em busca de um ombro amigo
Quem procura ou aceita ajuda são menos vulneráveis a cometer suicídio. Existem programas de saúde pública e organizações não governamentais que oferecem acolhimento emocional gratuito. Sejam em momentos de crise ou consultas de reabilitação psicossocial, atendem pessoas abaladas psicologicamente, com sofrimento ou transtorno mental e que correm risco iminente de morrer.

 

Segundo o Ministério da Saúde, os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) são unidades locais/regionalizadas que têm como papel atender especialmente indivíduos com transtornos mentais severos e persistentes. Oferecem cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar, além de promover a substituição dos antigos hospitais psiquiátricos — hospícios ou manicômios — e seus métodos controversos de tratamento.

 

Com equipes multiprofissionais, que têm o apoio de nutricionistas, os Caps compõem uma rede de serviços públicos levando em conta um novo modelo de atenção em saúde mental, com foco no acesso e na promoção de direitos, dando importância à inserção e convivência social. O atendimento realizado inclui ainda ações dirigidas aos familiares dos pacientes. Se o seu município não tem Caps, busque orientações nas unidades de atenção primária ligadas ao Sistema Único de Saúde (SUS).

 

Parceria
Em 26 de abril de 2019, o governo federal publica a Lei nº 13.819, que institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, iniciando movimento, em cooperação com estados e municípios, para elaborar estratégias e planos integrados a fim de evitar as ocorrências citadas e tratar os fatores de risco que as condicionam.

 

Entre os objetivos dessa lei, estão a promoção da saúde mental; a coleta e análise de dados oficiais; a articulação entre entidades de saúde, educação, imprensa e polícia em prol da prevenção do suicídio; e a garantia de acesso à atenção psicossocial a quem apresenta sofrimento psíquico agudo ou crônico, com histórico de ideação suicida, automutilações e tentativa de suicídio.

 

Mesmo com a aprovação da lei, o psicólogo, psicoterapeuta e doutor em Psicologia Clínica e Cultura, Carlos Henrique de Aragão Neto, avalia que o suicídio ainda não é priorizado como questão de saúde pública no Brasil. “É um fenômeno complexo, multideterminado e extremamente estigmatizado. Há uma subnotificação de dados no País, com uma margem que deve girar em torno de 30% a 40% a mais em relação ao que é apurado em termos oficiais. No geral, os sistemas de notificação de suicídio são bem falhos no mundo todo. Só a Noruega tem quase 100% de fidedignidade.”

 

No cenário internacional, desde 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS), vinculada às Nações Unidas (ONU), reconhece o suicídio como questão de saúde pública. Em 2014, a organização publicou o seu primeiro relatório — Prevenção do Suicídio: uma necessidade global — com o objetivo de orientar governos e instâncias normativas sobre a forma de elaborar estratégias multisetoriais integradas, como também aplicar medidas eficazes e efetivas para suprimi-lo socialmente.

 

Linha da vida
Segundo a OMS, 90% dos casos de suicídio podem ser prevenidos, desde que existam condições mínimas para a oferta de ajuda voluntária ou profissional. A Lei nº 13.819/2019 prevê que o poder público mantenha serviço telefônico destinado ao atendimento gratuito e sigiloso de pessoas em sofrimento psíquico.

 

Além disso, o documento destaca que devem ser adotadas outras maneiras de comunicação a fim de facilitar esse tipo de contato, observados os meios mais utilizados pela população e, por inferência, as novas tecnologias de informação e fluxo de mensagens. Ressalta ainda a necessidade de qualificação adequada dos atendentes envolvidos na prestação do serviço.

 

A mesma lei determina que esse número de telefone, de caráter eminentemente público, seja divulgado em locais com alto trânsito de pedestres e mediante campanhas publicitárias em diferentes mídias. Para isso, o documento abre a possibilidade de o poder público celebrar parcerias com empresas provedoras de conteúdo digital, mecanismos de pesquisa da internet e gerenciadores de mídias sociais.

 

Legado
Apesar de essa regulamentação prevista em lei ser bastante recente, há uma organização do terceiro setor que, desde 1962, já atua no apoio emocional e na prevenção do suicídio, prestando serviço voluntário e gratuito a população. É o Centro de Valorização da Vida (CVV), uma das entidades não governamentais mais antigas do Brasil, fundada em São Paulo e reconhecida como de utilidade pública federal a partir de 1973.

 

No início, o atendimento é feito majoritariamente de forma presencial ou por meio de cartas. Hoje, o CVV e o Ministério da Saúde mantêm termo de cooperação que garante a viabilidade de uma linha telefônica nacional dedicada ao cumprimento da Lei nº 13.819/2019 — o número 188. Ele funciona 24 horas, todos os dias, e a ligação é de graça, podendo ser feita de qualquer lugar do País, de telefone fixo ou celular.

 

Diariamente, o Centro de Valorização da Vida também acolhe demandas por email ou chat, que são respondidas em períodos preestabelecidos. Mesmo com o atual domínio do mundo digital, o CVV ainda recebe cartas endereçadas a seus postos de atendimento espalhados pelo Brasil. No site do CVV, você encontra onde eles ficam: cvv.org.br .

 

Antes da pandemia do novo coronavírus, era possível ir a esses locais para conversar, em horário comercial, com algum voluntário-atendente. Espera-se que esse trabalho corpo a corpo esteja disponível em breve, assim que autorizado pelas autoridades sanitárias.

 

Em todas as situações, o acolhimento dos relatos individuais tem como princípio o respeito, o anonimato e o estrito sigilo sobre tudo que for dito. Pode confiar!

 

Campanha
Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) organizam nacionalmente o Setembro Amarelo. Essas instituições dispõem vários materiais informativos, audiovisuais e de utilidade pública sobre o assunto, que podem ser baixados do hotsite setembroamarelo.com .

 

Em setembro, a ABP e o CFM montaram uma agenda com ações alusivas à campanha: eventos online, palestras e iluminação em amarelo de monumentos históricos, pontos turísticos, espaços públicos e privados. Nas mídias sociais, o objetivo é fomentar atitudes efetivas para a prevenção de transtornos mentais/ psiquiátricos e ajudar na desmistificação do tema, principalmente no que se refere à busca por tratamento e instrução da população.

 

Texto de Rafael Ortega, com colaborações.

* Com informações apresentadas no Curso de Prevenção e Posvenção do Suicídio, realizado de 20 a 22 de setembro de 2019, em Brasília. Ministrado pelo psicólogo, psicoterapeuta e doutor em Psicologia Clínica e Cultura, Carlos Henrique de Aragão Neto.

 

Fonte: www.cfn.org.br