Ao longo de três dias de festival, bares ficaram lotados para conversas com pesquisadores (Foto: Claudia Nunes)

Ao longo de três dias de festival, bares ficaram lotados para conversas com pesquisadores (Foto: Claudia Nunes)

A primeira edição do Pint of Science Juiz de Fora terminou nesta quarta-feira, 16, com direito a saideira. Realizando, simultaneamente, três painéis em três bares em diferentes pontos da cidade, o evento reuniu mais de mil boêmios e amantes da ciência ao longo desses três dias. Conversando sobre assuntos como fake news, células-tronco e terrorismo, o Pint aproximou pesquisadores e interessados em torno de temas polêmicos e da cerveja gelada. No último dia do evento, que veio pela primeira vez para Juiz de Fora, os painéis debateram tecnologia, africanidades, gênero e sexualidade.

Tecnologia, pra quê te quero?
Diariamente, nós — e a maioria das pessoas à nossa volta — alimentamos nossas redes sociais com conteúdo, sejam fotos, textos ou vídeos. O que é feito com tudo isso? E, mais ainda, como toda essa informação pode ser utilizada? Estes são os questionamentos que permearam a apresentação dos pesquisadores Artur Ziviani e Eduardo Barrére, no painel “Tecnologia, pra que te quero”, que finalizou o Pint of Science no bar Na Garganta.

“Vocês acham que as redes sociais são boazinhas, que acolhem todo nosso conteúdo de graça?”, brincou Barrére no início da sua fala. “Não — um monte de informações são descobertas e traçadas através dos vídeos que você coloca na internet, por exemplo. E devemos nos perguntar: a quem interessa essa coleta? Quem pode controlar esses dados?”. Ao responder uma pergunta da plateia, o pesquisador constatou que “a tecnologia está deixando de ser utilizada como apoio e passando a se constituir como algo que guia o destino da nossa sociedade. Isso é muito perigoso, porque estamos deixando méritos importantes nas mãos de uma coisa que não tem controle.”

Em registro no bar Arteria, pesquisadores escutam perguntas e colocações de membros da plateia (Foto: Claudia Nunes)

Em registro no bar Arteria, pesquisadores escutam perguntas e colocações de membros da plateia (Foto: Claudia Nunes)

Em sua apresentação, Artur Ziviani seguiu o tom ao conversar sobre ciência de dados. Citando o jornalista Andrew Lewis, o palestrante explicou que “se você não está pagando por isso, você não é o cliente — você é o produto sendo vendido”. Ziviani mencionou polêmicas, como o uso de dados utilizados pela Cambridge Analytica, e levou as pessoas no bar a se questionarem: “atualmente, nós somos a maior fonte de informação. O que isso tudo impacta para os nossos meios de comunicação, nossa produtividade, nosso trabalho, no futuro dos nosso filhos, nossa vida em sociedade? Estamos lidando com muitos desafios — agora, é a hora de criar oportunidades.”

Africanidades
Fechando essa maratona de debates no Brauhaus Zeppelin, as professoras Fernanda Thomaz — do Instituto de Ciências Humanas da UFJF — e Enilce Rocha — da Faculdade de Letras — abordaram as representações da África em nossa cultura, as diferentes realidades e contradições do continente e as histórias das mulheres macuas do norte de Moçambique.

Abordando as heranças culturais e, especialmente, literárias da África no ocidente, Enilce mostrou como africanos escravizados vieram a ressignificar palavras, gestos e a própria religião de seus algozes. Além disso, a professora apontou como essa influência continua em movimento ainda hoje, com a globalização e as migrações de populações africanas para os países europeus.

Já Fernanda relatou sua experiência ao pesquisar as mulheres macuas, uma sociedade muçulmana em Moçambique onde as mulheres são senhoras de sua sexualidade e, durante muito tempo, mantiveram o controle sobre os meios de produção. Conforme a professora, nessa sociedade matrilinear (onde a linhagem mais importante é aquela passada da matriarca para seus filhos), o momento mais importante da vida de uma mulher é sua passagem para a vida adulta, quando a menina descobre sua sexualidade, guiada por mulheres mais velhas.

Conforme Talita Teixeira, graduanda em Serviço Social na UFJF, essa conversa de bar ofereceu uma oportunidade rara de debater questões étnico-raciais de forma acadêmica. “Achei muito bacana mostrar essa realidade da mulher na África. Como mulher negra, nós assumimos uma posição submissa na sociedade como algo naturalizado, e isso mostra que existem outras alternativas, formas de mudança. Isso oferece para a população negra uma forma de esperança e de opção de luta, com essa imagem de uma mulher que é o centro de sua sociedade.”

Alexandre Cadilhe durante sua fala sobre o conceito de masculinidade (Foto: Claudia Nunes)

Alexandre Cadilhe durante sua fala sobre o conceito de masculinidade (Foto: Claudia Nunes)

Gênero e sexualidade
Para uma discussão sobre rotulações sociais, gênero e sexualidade, o Arteria recebeu, no último dia do Pint of Science, os professores da UFJF Anderson Ferrari e Alexandre Cadilhe. Questões sobre as homossexualidades e masculinidades guiaram uma apresentação recheada de trocas e diálogos.

Responsável por desenvolver a primeira dissertação de mestrado do Brasil abarcando o âmbito de homossexualidades na escola, Ferrari relatou que encontrou inúmeras barreiras durante a sua produção. “Vivemos em uma sociedade do enquadramento; isso quer dizer que não sabemos lidar com o que é diferente e foge do normal. Quando desenvolvi meu estudo, além de não haver uma bibliografia sobre o tema e orientações disponíveis, defendia-se na época a ideia de que não existiam gays nas escolas”, relembra o pesquisador.

Já Cadilhe trouxe para a mesa do bar as multiplicidades de ser homem, discutindo como as masculinidades tóxicas podem gerar terríveis consequências — como comportamentos violentos que ajudam a reforçar as desigualdades nas relações de poder entre homens e mulheres na sociedade. Ao final das apresentações, os pesquisadores responderam perguntas da plateia e deram espaço para manifestações de pessoas interessadas pelo tema.