Para marcar o Dia Nacional da Visibilidade Trans, celebrado em 29 de janeiro, integrantes do Projeto de Extensão “Visitrans”, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), analisaram a realidade da população de travestis e transexuais na cidade.

O Visitrans foi criado em 2014. Coordenado pela professora do curso de Psicologia da UFJF, Juliana Perucchi, disponibiliza atendimento a pessoas travestis e transexuais e as suas famílias.  Os objetivos são fomentar rede de troca de experiências e vínculos; levantar as demandas e necessidades dessa população no âmbito municipal; e pensar em estratégias coletivas de ação, com protagonismo da própria comunidade em questão. 

Ser trans – pessoa que sente e concebe a si mesma como pertencente ao gênero oposto ao designado no nascimento – no Brasil é ter de lidar com uma estatística alarmante: o país lidera o ranking mundial de mortes por transfobia, de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Trasnexuais (Antra).  Soma-se ao cenário de violências a ausência de políticas públicas específicas.

 “Acredito que investir em recursos humanos especializados para as demandas das pessoas travestis e transexuais e implementar políticas públicas em saúde[…] contribui bastante para fortalecer esse acesso acolhedor, equitário e universal” (Brune Coelho)

Em Juiz de Fora, como na maioria das cidades, segundo travestis e transexuais, há dificuldades de acesso a políticas públicas e recursos. “O que temos são parcerias pontuais entre UFJF e alguns setores da prefeitura para tentar cobrir a lacuna dessa demanda que cada vez mais cresce em Juiz de Fora. Contudo, como há o envolvimento de poucos profissionais, cedidos pelas suas instituições de origem, e não há infraestrutura própria, o emergencial seria haver uma formalização e ampliação desses profissionais e o ideal será mesmo a implementação do ambulatório trans na região da zona da mata mineira. Não temos políticas públicas municipais em saúde voltadas para a população travesti e transexual, tampouco dotação orçamentária específica. O atendimento ambulatorial para hormonioterapia e suporte psicológico, por exemplo, que segundo a portaria 2.803, de 19 de novembro de 2013, do Ministério da Saúde, pode ser oferecida nos municípios de médio e pequeno porte, não é de fato executada formalmente aqui. Não há recursos humanos nem estrutura específica para essa população. Nosso município ainda está aquém do necessário para contemplar o atendimento básico para pessoas travestis e transexuais”, ressalta a doutoranda em Psicologia da UFJF e psicóloga do Visitrans, Brune Coelho.

Para solucionar a questão, a psicóloga sugere o investimento, por parte do município, especialmente, em recursos humanos capacitados. “Acredito que investir em recursos humanos especializados para as demandas das pessoas travestis e transexuais e implementar políticas públicas em saúde, que de fato contemplem essas especificidades e formalizem a rede invisível que já existe, contribui bastante para fortalecer esse acesso acolhedor, equitário e universal  à saúde transexual e travesti dentro das prerrogativas do Sistema Único de Saúde (SUS). Faz-se necessário também que a gestão e o executivo municipal entendam a demanda de forma mais ampliada e se articulem para viabilizar essa formalização. Seria um passo político e ético importante.”

Políticas adequadas

Bruna Rocha: "O único meio que eu tenho de mudar, de sair das margens e passar  para o centro é a educação" (Foto: Twin Alvarenga)

Bruna Rocha: “O único meio que eu tenho de mudar, de sair das margens e passar para o centro é a educação” (Foto: Twin Alvarenga)

Nascida em Juiz de Fora, a estudante de Ciências Humanas da UFJF , Bruna Rocha, conta como políticas públicas adequadas podem possibilitar à população trans o acesso aos direitos mínimos garantidos a todos, promovendo a inclusão cidadã. Bruna viveu por mais de dez anos na Europa e em São Paulo e foi na capital paulista, nos anos 2000, que conseguiu apoio e incentivo, por meio de um programa oferecido pela prefeitura do município à população trans,  para estudar e se profissionalizar.  

“No ‘Programa Tudo de Bom’ tive contato com muitos psicólogos, advogados, pessoas que me orientaram, oferecendo uma visão melhor sobre a população trans, sobre as políticas públicas e movimentos sociais. Lá, apesar de ser um programa institucional com atendimento médico, psicológico, distribuição de camisinha, tinha a parte social, onde éramos ouvidas, tínhamos voz e eu consegui  voltar a estudar. O que transforma a vida realmente é a educação.  Eu sou um paradigma, um supermercado de preconceitos: eu sou negra, eu sou pobre, eu moro na periferia, eu sou trans. Tudo que a sociedade traça como o que está às margens eu faço parte desta margem. Então, o único meio que eu tenho de mudar, de sair das margens e passar  para o centro é a educação. É na educação que você ganha voz, empoderamento e a certeza de se colocar e ser ouvida.”

Bruna Rocha afirma que em Juiz de Fora há um Centro de Saúde que, na sua visão, não supre as reais necessidades da população transexual, principalmente porque não há uma ampla divulgação desses serviços. “Juiz de Fora tem muito o que expandir em vários aspectos. Existe um centro de saúde na Avenida dos Andradas, onde se conseguiu alguns avanços para a população trans, mas atinge uma parcela ainda pequena da população. Acho que o que falta mesmo é acesso, porque há endocrinologista disponível, nutricionista, alguns especialistas da área de saúde, mas esse acesso não chega realmente à população trans. Eu vejo que as meninas que estão na rua, por exemplo, trabalhando, elas não têm acesso a nada.”

Secretaria Municipal de Saúde

De acordo com a assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Juiz de Fora, o Departamento DST/Aids oferece orientação e acompanhamento, às pessoas travestis e transexuais, para introdução de medicamentos hormonais. O setor informou, ainda, que outro serviço ofertado é o processo transexualizador. Segundo a SMS, a Portaria 2803 do Ministério da Saúde ampliou e redefiniu o procedimento no SUS, garantindo novos direitos aos transexuais, como aplicação de silicone no caso das mulheres trans e  retirada de ovários,  mamas e úteros para os trans masculinos. Os usuários de Juiz de Fora são acolhidos pelo Setor de Tratamento Fora do Domicílio (TFD), através de encaminhamento médico, e direcionados para o município do Rio de Janeiro. Os interessados podem procurar orientação no Setor de TFD no PAM Marechal, 9º andar, sala 902. Sobre o respeito ao nome social, a Secretaria afirma que o SUS reconhece a identidade social, inclusive para emissão do Cartão SUS.

“A gente precisa de outras oportunidades”

Bruna Leonardo: "A gente precisa de outras oportunidades, trabalhar aonde a gente quiser" (Foto: Orney Bastos)

Bruna Leonardo: “A gente precisa de outras oportunidades, trabalhar aonde a gente quiser” (Foto: Orney Bastos)

A militante dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (LGBT), Bruna Leonardo destaca, também, as barreiras existentes para que travestis e transexuais cheguem ao mercado de trabalho. “O trabalho é importante, porque vivemos numa sociedade capitalista. Se não tivermos dinheiro não comemos, não moramos, não fazemos nada. As pessoas nos julgam muito pela questão da prostituição. Tem esse tabu em cima das trans e travestis mas, na maioria das vezes, quando essas pessoas procuram a prostituição é porque essa é a única forma de sobreviverem. Tem a questão da família também. Muitas foram expulsas de casa, da escola ou deixaram de estudar por causa da transfobia. Eu acredito na autonomia corporal, autonomia das pessoas. A gente precisa de outras oportunidades, trabalhar aonde a gente quiser.”

Thiago Lima: "As pessoas trans têm uma dificuldade enorme de conseguir emprego e obter o respeito ao nome social" (Foto: Twin Alvarenga)

Thiago Lima: “As pessoas trans têm uma dificuldade enorme de conseguir emprego e obter o respeito ao nome social” (Foto: Twin Alvarenga)

O estudante do 7º período do curso de Direito, Thiago Lima, afirma que conseguir um posto de trabalho é, atualmente, a maior dificuldade vivenciada por travestis e transexuais na cidade. “As pessoas trans têm uma dificuldade enorme de conseguir emprego e obter o respeito ao nome social e ao uso do banheiro da empresa de acordo com a sua identidade de gênero. Eu já fiz algumas entrevistas de emprego e, no final, você sabe que você foi bem, mas, do nada ‘a vaga some’ ou a empresa encontra uma ‘pessoa melhor’. Muitas vezes fica claro que você perdeu a vaga por ser trans.”

Roda de conversa

A fim de contribuir para ampliar o debate sobre o Dia Nacional da Visibilidade Trans e discutir sobre  o acesso a direitos e à cidadania desta população, a Diretoria de Ações Afirmativas (Diaaf) da UFJF promoverá a “Roda de conversa: a população trans e travesti e o acesso a direitos”. O encontro será na quarta-feira, dia 31, às 19h, no Museu de Arte Moderna Murilo Mendes (Mamm), com entrada gratuita.

O evento contará com a participação da psicóloga do Visitrans e doutoranda em Psicologia na UFJF, Brune Coelho; a agente de atendimento ao público e estudante de Ciências Humanas da UFJF, Bruna Rocha; a militante LGBT, Bruna Leonardo; o estudante de Direito, Thiago Lima; o militante carioca e mestre em Ciências da Atividade Física pela Universo, Leonardo Peçanha; a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-JF, Camila Machado Corrêa; a MC Xuxu e representantes da Secretaria Municipal de Saúde, do Hospital Universitário e do Centro de Referência em Direitos Humanos da Zona da mata de Minas (CRDH).

Visitrans

A participação no projeto é gratuita e os encontros acontecem no Centro de Psicologia Aplicada (CPA) da UFJF, na Rua Santos Dumont, 214, Bairro Granbery.

Os interessados em participar das reuniões do Visitrans devem agendar, por e-mail ou telefone, a conversa inicial:

(32) 3216-1029 e brunecbrandao@yahoo.com.br.

Outras informações: brunecbrandao@yahoo.com.br e asscomsaudepjf@gmail.com