selo_mulheres-02-fundo-escuroA série “Mulheres na UFJF” – realizada em comemoração à Semana da Mulher -, aborda, desta vez, a trajetória de Adenilde Petrina Bispo. A ex-aluna da UFJF é  exemplo de mulher empoderada. O significado aproximado do adjetivo, que tornou-se mais frequente nas falas e nos textos de integrantes dos movimentos sociais nos últimos anos, é emancipada.

Empoderada, todavia, vai mais além: incluiu a emancipação individual e, sobretudo, a consciência coletiva necessária para a superação da dependência social e da dominação política.

Adenilde, que cursou Filosofia na UFJF entre 1970 e 1974, é a reunião desses conceitos e muito mais. Nascida em Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto (MG), veio com a família para Juiz de Fora aos 12 anos de idade. Moravam na Fazenda Floresta, hoje Bairro Floresta. O pai, recém-aposentado, passara a vida construindo estradas pelas Minas Gerais, para o Departamento Estadual de Estradas e Rodagens (DER). A mãe era dona de casa e cuidava dos cinco filhos.

Adenilde Petrina 2 Foto Twin Alvarenga

Adenilde Petrina: “Minha família descende de pessoas que foram escravizadas. Então, meus pais achavam que a vida era apenas daquele jeito. Não se compreendiam como merecedores de direitos, porque tinham acreditado em tudo que sempre ouviram” (Foto: Twin Alvarenga)

Em meados dos anos de 1960, após concluir o ensino fundamental em escola pública, Adenilde conseguiu uma bolsa de estudos no Colégio Santa Catarina. Em troca, ajudava na limpeza da instituição. Foi lá, no colégio, que ouviu os primeiros discursos sobre emancipação, proferidos por padres franceses e outros integrantes da comunidade eclesial. Eram anos duros da ditadura militar, os religiosos ofereciam formação política às jovens, na época a escola só aceitava alunas, visando ao fortalecimento da luta pela democratização do país. Falavam sobre direitos sociais e civis e igualdade social.

“Minha família descende de pessoas que foram escravizadas. Então, meus pais achavam que a vida era apenas daquele jeito. Não se compreendiam como merecedores de direitos, porque tinham acreditado em tudo que sempre ouviram.”

O gosto pela contemplação do céu e das estrelas, aliado à convivência com militantes pró-democratização, despertaram na jovem, já moradora do Bairro Santa Cândida, Zona Leste de Juiz de Fora, o desejo de estudar astronomia. “Mas não tinha esse curso aqui na UFJF. Então, eu vi que no curso de Filosofia tinha uma disciplina chamada Cosmologia, que estudava a evolução do universo. Pensei: vou fazer Filosofia!”

“Os professores davam livros diferentes para alunos e alunas, diziam que determinada leitura era muito ‘pesada’ para nós mulheres. Eu lia o que era destinado aos homens e conseguia me sair muito bem”

Primeira da família a ter acesso à universidade

Aprovada no vestibular da UFJF em 1970, avisou aos pais que seria a primeira pessoa da família a ter acesso à universidade. “Minha mãe logo falou que Filosofia não dava futuro, que era ‘terra de ninguém’. Então,  eu disse que nós éramos ‘ninguém’. E era para a Filosofia mesmo que eu iria!”

Adenilde relata que nos anos de 1970 quase não havia estudantes negros na Universidade. “Não tive professoras e professores negros. Pouquíssimos eram os estudantes negros. Eu era a única da minha turma. Era tão raro, mas tão raro uma aluna negra de Juiz de Fora estudar na UFJF que um professor jurava que eu era de Cabo Verde e me chamava, inclusive, de caboverdeana, Na época, às vezes, a Universidade recebia estudantes africanos.”

Foi na Universidade que a estudante teve contato pela primeira vez com militantes do movimento negro da cidade e passou a integrar o Grupo de Estudos Afrobrasileiro Aticorene (Geaba Aticorene). “No movimento negro eu percebi o quanto de racismo já havia sofrido e machismo também. Vi que só lia obras de filósofos homens e brancos. Os filósofos negros não tinham livros publicados. Então, continuei a ler os brancos, mas passei a ler, por exemplo, Heidegger e a pensar sobre a minha realidade de mulher negra e da periferia. O machismo também era muito grande. Para você ter uma ideia: Os professores davam livros diferentes para alunos e alunas, diziam que determinada leitura era muito ‘pesada’ para nós mulheres. Eu lia o que era destinado aos homens e conseguia me sair muito bem.”

Concluída a graduação em Filosofia em 1974, Adenilde não parou mais de militar no movimento negro. Trabalhava na Biblioteca da Igreja da Glória, local no qual permaneceu até aposentar-se em 2008, e levava informações à comunidade do Bairro Santa Cândida, sobre direitos sociais, como acesso à saúde, saneamento básico, escola, transporte coletivo.

“Aqui no Santa Cândida, até o final dos anos de 1980, a gente não tinha nada. Não havia tratamento de esgoto, não havia água encanada, luz elétrica, transporte público, igreja, nada! A escola foi uma das conquistas mais demoradas. Nós nos organizamos e começamos a reivindicar isso. Fizemos teatro, inspirados no Augusto Boal, do Teatro do Oprimido, que alia o teatro à ação social. No bairro, era uma beleza: as pessoas percebiam as nossas mensagens. Íamos para o Centro e ninguém nos via. Percebemos, então, que a gente precisava estar na rua, que nos tratavam como se não fizéssemos parte da cidade, só servíamos para trabalhar.”

29 anos lecionando

Em 1984, tornou-se professora de História na rede municipal de ensino. Foram 29 anos dedicados à atividade, em escolas do Centro e bairros Santo Antônio e Teixeiras, até aposentar-se em 2013. Entre 1997 e 2007, atuou na rádio comunitária do bairro. “Montaram a rádio comunitária Mega aqui no Santa Cândida. Percebemos que isso era importante, porque a gente conseguia ter voz, explicar o que pensava a comunidade do bairro, quais eram as suas necessidades. Muitas vezes também criticávamos a mídia tradicional, por causa da manipulação das informações. Fazíamos um trabalho muito bonito, tentávamos despertar a consciência nas pessoas. No início, eu ajudava os meninos da emissora na limpeza. Ia lá sempre no final do dia e limpava tudo para eles. Depois, comecei a participar dos programas e, por fim, coordenei a Rádio Mega até ela ser fechada e nos processarem por não termos a licença para funcionar. Nos negaram a concessão da emissora, apesar de termos feito um trabalho tão bonito com a comunidade.”

A negativa da concessão não emudeceu a militante. A voz de Adenilde continua a ecoar e a experiência de vida da mulher negra da periferia é exemplo para milhares de outras mulheres negras jovens e experientes pela cidade afora, inclusive na Universidade da qual foi aluna.

Coletivo Vozes da Rua

Após o fechamento da emissora, Adenilde participou da criação do Coletivo Vozes da Rua, cujo objetivo é o mesmo da rádio: difundir a cultura negra e levar formação e informação aos jovens da periferia. Os integrantes reúnem-se sempre para eventos e debates e os interessados em participar podem ter outras informações nas redes sociais do grupo.

Quando indagada sobre a situação das estudantes negras na UFJF nos dias atuais, Adenilde reconhece os avanços existentes a partir da adoção das políticas afirmativas, mas faz um alerta: “Hoje está melhor do que antes, tem mais estudantes negras e negros do que na minha época, tem mais gente de escola pública, mas ainda há casos de racismo, preconceito, machismo. Isso precisa acabar!”

UFJF repudia o racismo

A UFJF repudia práticas racistas, machistas, LGBTIfóbicas e qualquer outro tipo de discriminação.  Com o objetivo de desenvolver políticas de identificação, apoio e prevenção aos casos de violência, a atual administração da UFJF propôs a criação da Ouvidoria Especializada em Ações Afirmativas, em dezembro do ano passado.

Desde então, o órgão, liderado pela ouvidora Vânia Maria Freitas Bara, tem recebido denúncias e depoimentos a respeito das situações de discriminação, preconceito, violência e opressão vivenciadas no ambiente universitário, garantindo o sigilo dos nomes das vítimas.

A Ouvidoria acolhe e encaminha as denúncias para serviços de atendimento especializado no interior da UFJF ou na rede pública, dando apoio e orientação aos membros da comunidade acadêmica, vítimas de discriminação, preconceito, violência e opressão ou em situação de vulnerabilidade social, jurídica e psicológica.

“A Ouvidoria Especializada tem um papel fundamental, porque vem acolher estudantes, técnicos e professores nessas questões de assédio, violência. A sensibilidade da Reitoria é muito importante para que a gente possa desenvolver essas políticas”, destaca o diretor de Ações Afirmativas da UFJF, Julvan Moreira de Oliveira.

Se você foi vítima de preconceito na UFJF, denuncie.

Procure a Ouvidoria Especializada em Ações Afirmativas, na sala da Diaaf, no prédio da Reitoria, de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 14h às 18h, ou pelo telefone (32) 2102-6919.  

Confira a programação comemorativa do Dia Internacional da Mulher na UFJF