UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora

Neurociência da Linguagem

Data: 22 de abril de 2021

Autora: Júlia Rezende

 

  A aquisição da linguagem é um fenômeno natural da vida, sendo a linguagem escrita (por símbolos) característica exclusiva dos seres humanos. Até os três anos de idade, a maior parte das crianças já apresenta um repertório suficiente para uma comunicação minimamente satisfatória em algum idioma. A linguagem se distingue ainda de outras formas de comunicação, uma vez que possui um conjunto finito de sons, que podem ser combinados em infinitas possibilidades. A linguagem também possui muitos níveis funcionais, como fonemas, morfemas, palavras e frases. Mas o que a torna um fenômeno de desenvolvimento universal e quais os sistemas cerebrais envolvidos no seu processamento?

  Na época em que foram iniciados os estudos acerca  da linguagem, não havia técnicas experimentais que permitissem a observação empírica dos processos cerebrais. Com isso, a maior parte das explicações sobre o processamento da linguagem foram extraídas do âmbito comportamental. O Behaviorismo de Skinner acreditava que a linguagem se tratava de um comportamento condicionado a partir dos estímulos do meio e do sistema de recompensas. Chomsky, porém, ia de encontro a essa ideia, afirmando que os estímulos externos não seriam suficientes para o desenvolvimento de uma linguagem tão complexa e, portanto, era necessário estudar a interação do organismo com o meio. Assim, surgiu a teoria da Gramática Gerativa, que se desenvolveu a partir de métodos introspectivos.

  Com a evolução dos recursos tecnológicos, porém, iniciou-se a utilização de técnicas de neuroimagem que possibilitaram a visualização funcional do encéfalo, como a Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET), a Ressonância Magnética Funcional (fMRI), a Eletrencefalografia (ECG), entre outros. Essas técnicas permitiram a observação de padrões de ativação cerebral enquanto o indivíduo realizava tarefas de linguagem durante o exame.

  Além disso, o estudo do desenvolvimento da linguagem em bebês indicou que todas as crianças exibem padrões universais de percepção e produção da fala, independente do idioma. Ao que parece, os bebês nascem com a capacidade de distinguir com facilidade os padrões de sons das unidades fonéticas. Com o aprendizado da primeira língua, ocorrem mudanças significativas na estrutura cerebral, devido a aquisição de padrões linguísticos do idioma nativo e ao desenvolvimento do compromisso neural para com aquela língua. Assim, a capacidade de distinção fonética de outras línguas declina rapidamente, uma vez que o compromisso neural aumenta a capacidade para detectar padrões com base naqueles já aprendidos, mas reduz a capacidade de detectar padrões diferentes. No caso do aprendizado da Língua Americana de Sinais por bebês criados por pais surdos, pode-se observar os mesmos padrões de aprendizagem nos movimentos das mãos daqueles observados nos sinais orais de bebês que escutam. 

  Observa-se também a ideia de que seria mais fácil aprender uma segunda língua durante a infância. A Hipótese do Período Crítico diz respeito a um período de tempo específico, no qual o aprendizado de línguas seria facilitado pela relativa plasticidade e possibilidade de mudanças neurais (Merlo, 2019; Bona, 2013). Após esse período, teoricamente, seria mais difícil abrir mão das influências da língua materna, a fim de adquirir outra língua de forma satisfatória (sem sotaque, por exemplo), devido ao já citado “compromisso neural”, especialmente se ela possuir fonemas mais distantes dos presentes na língua materna. 

  Nos primeiros anos de vida, o aprendizado é facilitado devido à maior plasticidade cerebral, bem como à maior disponibilidade de neurônios, capazes de estabelecer mais conexões e apreender, desta forma, um número maior de padrões fonéticos. Porém, mais tarde, a maturação cerebral, a lateralização cerebral, a poda sináptica e o compromisso neural estabelecido tornariam esse aprendizado mais difícil e limitado. No entanto, existem outros fatores que influenciam na aquisição de uma segunda língua, como diferenças atitudinais e culturais. Dessa forma, é importante notar que a hipótese do período crítico não possui suporte conclusivo para a aquisição da língua estrangeira e, por isso, é ainda necessário explorar outros fatores relacionados à aquisição de uma segunda língua. Ainda que, de fato, existam fatores neurobiológicos que facilitam um aprendizado precoce ou simultâneo do segundo idioma, não é possível dizer que esses fatores limitam ou impedem a manutenção da capacidade de aquisição da segunda língua de forma satisfatória na vida adulta.

  Com relação às estruturas cerebrais envolvidas no processamento da linguagem, muito do que se sabe foi apreendido a partir de estudos com pacientes com distúrbios de linguagem (conhecidos como afasias), principalmente após a ocorrência de lesões encefálicas como AVC, traumatismo craniano e doenças degenerativas, como o Alzheimer. Pode-se considerar, assim, que o hemisfério cerebral esquerdo é dominante para a linguagem na maioria dos indivíduos, para aspectos como gramática, o léxico, construção e produção fonêmica, etc. O hemisfério direito, por sua vez, parece estar envolvido na interpretação das intenções do falante, a partir da entonação, bem como na compreensão do significado das frases e de pistas emocionais.

  O avanço nos estudos do cérebro permitiu uma compreensão maior das áreas envolvidas na linguagem, especialmente no hemisfério esquerdo. Sabe-se que as áreas de associação das regiões frontal, temporal e parietal fornecem conexões entre conceitos e palavras. Da mesma forma, as áreas pré-frontais e do giro do cíngulo parecem estar envolvidas no controle executivo.  

  A área de Broca (giro frontal inferior esquerdo) e a área de Wernicke (região posterior do lobo temporal esquerdo) também parecem ser fundamentais para o processamento da linguagem. Lesões nessas áreas e áreas vizinhas estão associadas ao desenvolvimento da afasia de Broca e de Wernicke, dois dos mais conhecidos distúrbios de linguagem. Na afasia de Broca, os pacientes têm a fala lenta e pouco fluente, com a articulação e entonação comprometidas. Geralmente, podem se comunicar devido à escolha correta de certas palavras como substantivos, apesar da ausência de preposições e conjunções. Nos afásicos de Wernicke, por sua vez, a fala é fluente e melódica. Porém, é caracterizado por significativa dificuldade de compreensão.

  Dessa forma, entende-se que a compreensão da linguagem e seus mecanismos envolvem a integração de diversas áreas do conhecimento, a fim de permitir estudos e resultados mais abrangentes e aprofundados. A linguagem, assim, coloca-se como elemento fundamental para a vida cotidiana e para a inserção social dos indivíduos, sendo indispensável a exploração de recursos para o seu desenvolvimento e para o tratamento de pacientes afásicos.

 

REFERÊNCIAS:

Birdsong, D. (2006). Age and second language acquisition and processing: a selective overview. Language Learning, 56, 9-49.  https://doi.org/10.1111/j.1467-9922.2006.00353.x

De Marco, F.M., Rodrigues, K.A., Sampaio, T.O.M. (2011). Neurociência e Linguagem: Desafios e superações interdisciplinares. In: Scientiarum Historia IV, 2011, Rio de Janeiro. Scientiarum Historia IV – Livro de Anais. Rio de Janeiro: UFRJ, 2011. v. 1. pp. 60-66.

Hübner, L. C., Wilson, M. A., & Brambati, S. M. (2018). Linguagem na perspectiva da Psico/Neurolinguística e da Neurociência Cognitiva. Letras De Hoje, 53(1), 1-2. https://doi.org/10.15448/1984-7726.2018.1.30997

Kandel, E. R., Schwartz, J., Jessell, T., Siegelbaum, S. & Hudspeth, A. J. (2014). A linguagem. In S. de Fraga & M. Favaretto (Eds), Princípios de neurociências, (5. ed., pp. 1179 – 1196). Porto Alegre, RS: Artmed. 

Lightbown, P. M., & Spada, N. (2013). Individual differences in second language learning. In P. M. Lightbown & N. Spada (Eds), How languages are learned. (4 ed., pp. 75 – 96). Oxford, OXON: Oxford University Press. 

 

Liga Acadêmica de Neurociências – LANC