Data: 29 de março de 2011
Alexei Barrionuevo e Myrna Domit
Por anos, tantos gêmeos nasceram na pequena cidade de Cândido Godói, no Sul do Brasil, que os moradores se perguntavam se havia algo misterioso na água, ou mesmo se Josef Mengele, o médico nazista conhecido como Anjo da Morte, tinha realizado experiências em mulheres dali.
Mas um grupo de cientistas agora diz poder descartar todos esses rumores. Úrsula Matte, uma geneticista de Porto Alegre, disse que uma série de exames de DNA realizados em aproximadamente 30 famílias desde 2009 apontou que um gene específico na população de Cândido Godói aparece com maior frequência nas mães de gêmeos no que nas demais. O fenômeno se soma ao nível elevado de endogamia na população, que é composta quase que totalmente por imigrantes de língua alemã, ela disse.
“Nós analisamos seis genes e encontramos um gene que confirma, nesta população, uma predisposição ao nascimento de gêmeos”, disse Matte.
Ela foi a primeira cientista a documentar, em um estudo publicado nos anos 90, que o índice de nascimento de gêmeos na cidade era incomumente alto. Era especialmente alto em Linha São Pedro, um distrito com aproximadamente 350 habitantes que faz parte de Cândido Godói. Matte descobriu que de 1990 a 1994, 10% dos nascimentos em Linha São Pedro eram de gêmeos, em comparação a menos de 1% no Brasil como um todo.
A alta concentração de gêmeos provocou teorias bizarras. Os moradores dizem que Mengele circulou pelo Sul do Brasil nos anos 60, se passando por veterinário, aproximadamente na época em que os nascimentos de gêmeos realmente aumentaram.
Um jornalista argentino sugeriu em um livro de 2008 que Mengele realizou experiências em mulheres em Cândido Godói, que resultaram no nascimento excessivo de gêmeos, muitos com cabelos loiros e olhos claros.
Mengele, que morreu no Brasil em 1979, era notório por seus experimentos frequentemente mortais em gêmeos em Auschwitz, em um esforço para produzir uma raça ariana para Hitler.
Mas o estudo liderado por Matte analisou 6.615 certidões de batismo datando de até 80 anos atrás na cidade predominantemente católica romana, e encontrou que o fenômeno dos gêmeos já existia nos anos 30, “muito antes do período de Mengele”, ela disse.
“Nos estágios iniciais de nossa pesquisa, nós imediatamente eliminamos qualquer envolvimento de Mengele”, disse Matte.
Sua equipe de 20 pesquisadores também analisou a água da cidade – os moradores acreditam que um mineral misterioso pode ser o responsável pelo alto índice de nascimento de gêmeos – e não encontrou nada anormal.
Ao estudarem as certidões de batismo, os cientistas confirmaram que a concentração mais alta de gêmeos era em Linha São Pedro, com 33 pares entre 436 nascimentos de 1959 até 2008, todos morando em uma área de pouco menos de 4 quilômetros quadrados.
Em Linha São Pedro, eles concluíram sua pesquisa analisando os sobrenomes e realizando exames genéticos nas mulheres. “Com uma pequena população de aproximadamente 80 famílias, era um desafio encontrar mulheres que não tivessem gêmeos em um grau de parentesco de primeiro grau”, disse Matte.
Os cientistas acreditam que o pequeno número de famílias imigrantes que vive em Linha São Pedro pode ter trazido o gene variante à região. “Isso não significa que seja um gene universal”, disse Matte. “Se eu pegar gêmeos da Nova Zelândia e examiná-los, isso provavelmente apresentaria um resultado diferente.”
Matte ainda não publicou os resultados de seu estudo, mas deverá apresentá-los em Cândido Godói.
“Toda a cidade apoia o estudo, e tem grande esperança de descobrir o motivo para o haver tantos gêmeos, ou entender melhor o que está por trás de sua história”, disse Daniela Junzvier, a coordenadora de cultura da prefeitura.
Tradução: George El Khouri Andolfato
Fonte: The New York Times
Laboratório de Demografia e Estudos Populacionais
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