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“Imaginários distópicos”: entrevista com o professor Erick Felinto (UERJ)

A palestra com o professor Erick Felinto é uma das atividades que integram a programação do XVIII Erecom. Na segunda, dia 08 de março (14h15), o docente da UERJ, que pesquisa sobre cinema e cibercultura, abordará a questão dos “Imaginários distópicos”. Em entrevista para a Assessoria Facom, Felinto fala sobre a relação entre imaginários sociais e contexto político (adiantando temas que serão debatidos no evento), mitos recorrentes na história da política e sobre a atual onda de “desconfiança” nas ciências humanas.

 

 

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Entrevista: Jhonatan Mata

 

1- De que maneira você pretende pensar os “imaginários distópicos” em sua apresentação no Encontro Regional de Comunicação, que aborda, nesse ano, Comunicação e experiências extremas?

Felinto: A ideia é falar sobre imaginário distópico num contexto político. A ficção científica, sobretudo a moderna, ao trabalhar o imaginário utópico tinha aquela crença no futuro, no progresso da humanidade. Então, esse período que a gente qualifica como da ficção científica moderna tem um viés basicamente utópico. A ficção científica contemporânea, particularmente a partir do ciberpunk, parece ter uma vertente mais distópica. O que me interessa, de fato, é trabalhar o imaginário não só no campo da ficção científica, mas no campo do imaginário social. Trabalhando uma dimensão da distopia que envolve, inclusive, acontecimentos políticos e sociais que nos afligem hoje, como a pandemia de covid.

 

2-O livro “Imaginários Distópicos: metáforas e ficções” (João Carlos Correia, Anabela Gradim e Ricardo Morais, 2019) revisita previsões distópicas do século XX. A eleição de Donald Trump nos EUA, o vigor do populismo, da vigilância, da contrainformação e das denominadas “fake news” chamaram a atenção para retratos distópicos formulados no século XX, que alguns autores consideraram adequados à reflexão sobre as novas patologias da democracia e da comunicação política. No seu entendimento, quais seriam as atuais metáforas do Brasil e do brasileiro de 2021? Vivemos (n)uma distopia?

Felinto: Acredito que elas não sejam muito diferentes daquilo que foi identificado em outros contextos a nível global, como nos EUA, por exemplo. No campo da política, sabemos que existia uma certa convergência de posições, “ideologemas”, estratégias entre os governos Trump e Bolsonaro. A questão das fake news é um tema profundamente ligado aos acontecimentos políticos e ao imaginário político norte americano nos últimos anos, assim como ao brasileiro. Contudo, podemos falar de algumas metáforas e mitos mais amplos, que atravessam a história política no Ocidente. E que, nos últimos tempos, retornam com bastante força. Por exemplo, aqueles mitos que Raoul Girardet identifica em seu livro “Mitos e Mitologias políticas”, que são o mito da conspiração, bastante difundido no imaginário estadunidense e brasileiro, o mito do “Salvador da pátria”, recorrente na história da política. Aquela figura que surge para salvar a nação messianicamente. Uma das encarnações desse mito foi  “Jair Messias Bolsonaro”. Talvez pudéssemos falar, ainda, no “mito da Unidade Nacional”. Uma ideia de nação formada a partir de uma falsa Unidade, uma ideia de que, territorialmente e simbolicamente, existe um elemento nacionalista, que permite pensar os vários indivíduos como parte de um bloco comum. Quando, na verdade, talvez hoje de maneira mais acentuada, estamos vendo uma situação em que as sociedades estão profundamente fragmentadas, em que o tema das identidades é cada vez mais importante nos campos de sociologia e de ciência política. Por isso, é interessante trabalhar com o imaginário, os mitos e as metáforas para entender até que ponto eles correspondem àquilo que chamaríamos de uma realidade factual e em que sentido eles destoam ou são responsáveis por reformar aquilo que entendemos como realidade.

 

3- Recuperando uma entrevista sua para a IHU da Unisinos em 2019, encontramos um trecho importante para nossos debates, que trata das ciências humanas. Você se alicerça em Friedrich Kittler (e a teoria da mídia alemã), para quem era necessário “expulsar o espírito”, imaterialidade pura, das ciências humanas (em alemão, “ciências humanas” se diz “ciências do espírito” –Geisteswissenschaften). Como pensar as ciências humanas e o próprio “humanismo” de nosso tempo, nesses imaginários distópicos?

Felinto: A questão das ciências humanas é complexa. Na nossa situação contemporânea, as ciências humanas sofreram uma série de ataques, justificáveis até certo ponto. É fácil relembrar aquela divisa proposta por Walter Benjamim, quando afirma que “todo documento de cultura é um documento de barbárie”. A cultura humanística foi responsável por uma série de tragédias que nos acometeram nos séculos XX e XXI. Entretanto, minha visão pessoal sobre o humanismo é que existem valores que devem ser preservados. Há temas do humanismo fundamentais para serem discutidos hoje, no contexto da realidade distópica em que vivemos. Parece-me que a decadência das ciências humanas, que têm sido cada vez mais preteridas em relação com as ciências “duras”, biologia, química física, é um indicativo de que temos um viés ideológico atuando no campo da produção do conhecimento. Que, de uma forma geral, toma com desconfiança toda a forma de saber academicamente institucionalizado. Mais particularmente esses saberes que vêm do campo das ciências humanas, como a sociologia, a antropologia e a filosofia são tomados com grande desconfiança por um viés de um olhar ideológico. É um tema de discussão importante, pois diz respeito também à possibilidade de uma formação humanística crítica da sociedade, uma percepção da crítica da realidade que é absolutamente vital num clima político e ideológico como este que estamos vivendo hoje. E que tem que ser pensada de forma complexa e profunda, já que dela depende nosso futuro e da forma como lidaremos com os riscos que estamos enfrentando hoje. A democracia e a igualdade social e uma série de outros valores que nos interessa preservar.

 

****Erick Felinto de Oliveira é doutor em Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e tem pós-doutorado em Comunicação pela Universität der Künste, Berlim. É pesquisador do CNPq e professor adjunto na UERJ, instituição em que realiza pesquisas sobre cinema e cibercultura. É autor de obras como, A religião das máquinas: ensaios sobre o imaginário da cibercultura (Porto Alegre: Sulina, 2005); Silêncio de Deus, silêncio dos homens: Babel e a sobrevivência do sagrado na literatura moderna (Porto Alegre: Sulina, 2008); O explorador de abismos: Vilém Flusser e o pós-humanismo (com Lucia Santaella. São Paulo: Paulus, 2012); Cibercultura em tempos de diversidade: estética, entretenimento e política (São Paulo: Anadarco, 2013); A vida secreta dos objetos: ecologias da mídia (Rio de Janeiro: Azougue, 2016).

 

****confira aqui a programação completa do evento.