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Pesquisador Paulo Fleury apresentou estudos com pacientes autistas (Foto: Iago Medeiros/UFJF)

Interesses econômicos e preconceito são dois dos dos entraves à pesquisa e ao emprego de substâncias derivadas da maconha no tratamento de doenças, conforme o médico e pesquisador Paulo Fleury Teixeira, que ministrou a palestra “Uso Terapêutico dos Canabinoides”, na noite da última sexta-feira, 23. Na sequência, houve ainda mesa-redonda que reuniu professores da UFJF, deputado e outros pesquisadores, no anfiteatro das Pró-reitorias, no campus.

O palestrante narrou experiências profissionais que teve com pacientes autistas, nas quais a medicação tradicional foi substituída pelo óleo de cannabis. Em um grupo de 18 crianças, em Belém (PA),  Paulo Fleury utilizou o óleo rico em canabidiol (CBD), tendo uma evolução psicomotora positiva em 70% dos pacientes. “Percebi que o desenvolvimento cognitivo e comunicacional, a hiperatividade e o déficit de atenção e a concentração, como também o sono dessas crianças e jovens autistas apresentaram uma melhora significativa. Porém, o uso do CBD não se mostrou tão eficaz nos casos em que os pacientes faziam o uso de medicamentos neuropsicóticos tradicionais há muito tempo ou em grandes doses.”

Um dos principais objetivos do tratamento terapêutico com a cannabis é a retirada ou redução dos medicamentos neuropsiquiátricos convencionalmente prescritos, pois eles têm toxicidade alta. “Sabemos que a maconha não é tóxica, ela não mata. Por mais que seu efeito não seja simplista, temos em nosso organismo canabinoides que, ao interagirem com os que são encontrados na planta, ajudam a controlar os aspectos mais graves e danosos do autismo e alteram em um sentido positivo a curva de desenvolvimento do paciente. Ao contrário do valproato de sódio ou risperidona, que normalmente são prescritos às crianças com autismo e apresentam múltiplos efeitos colaterais negativos, demandam a prescrição de mais medicamentos.”

No Brasil, há ainda preconceito com o uso do tetra-hidro-canabinol (THC) que possui uma ação psicoativa mais elevada em comparação com o CBD, mas, Paulo narrou que, em pacientes que utilizaram o óleo rico em THC, a curva de desenvolvimento positiva acentuou-se ainda mais. “A concentração de THC necessária para o tratamento é dez vezes menor, contudo, há um preconceito quanto ao uso dele, o que faz a utilização do CBD ser maior e mais comum no Brasil.”

Efeitos de canabinoides é reduzido em pacientes que usaram psicoativos tradicionais (Foto: Iago Medeiros/UFJF)

Efeitos de canabinoides é reduzido em pacientes que usaram psicoativos tradicionais (Foto: Iago Medeiros/UFJF)

Em 2017, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reconheceu a Cannabis sativa como medicamento. O tema está em processo de consulta pública no Senado Federal. Há ainda  um projeto de lei da senadora Marta Suplicy (MDB/SP) que pretende legalizar o plantio para fins medicinais.

A neuropediatra Valéria Modesto Barbosa participou do debate e contou que já prescreve canabinoides para alguns de seus pacientes. “Por seu efeito neuromodulador, a cannabis auxilia na desaceleração das ondas cerebrais das pessoas com autismo. Também tenho conseguido bons resultados com meus pacientes.”

A discussão sobre o uso medicinal da maconha para pacientes com autismo e outras patologias foi realizada em parceria com o  Grupo de Apoio a Pais e Profissionais de Pessoas com Autismo (Gappa).

Papel da Universidade na discussão
O mediador do debate, professor da Faculdade de Medicina da UFJF, Márcio Alves,  salientou que as universidades brasileiras precisam contribuir mais com pesquisas sobre os canabinoides em tratamentos terapêuticos. “O propósito desta palestra é apresentar resultados obtidos por Paulo Fleury, e a partir daí, avançar com pesquisa e extensão sobre a cannabis medicinal aqui no Brasil, pois grande parte do conhecimento técnico-científico que temos sobre ela é produzido no exterior.”

O professor do Departamento de Botânica da UFJF Daniel Pimenta destacou que, “a luta da fitoterapia é antiga, porque os médicos não prescrevem os medicamentos descobertos por nós, botânicos, e em grande parte, isso ocorre por pressão da indústria farmacêutica que faz lobby”, destacou. “Temos maturidade em pesquisa de laboratório, mas esses resultados não estão sendo aproveitados.”

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Professor da Medicina Márcio Alves: universidades precisam contribuir mais com pesquisas (Foto: Iago Medeiros/UFJF)

Doutora em Psiconeurobiologia, Sueli Netto reforçou o argumento de que há uma proibição por interesses econômicos. “Há milhares de anos, a maconha é usada para tratar patologias, mas um estigma foi criado pela indústria. É papel dos pesquisadores desmistificar essa ideologia construída ao redor dela, a partir de 1930, porque até então comercializava-se canabinoides como remédio, em boticas, aqui no Brasil.”

O psiquiatra e deputado estadual Antônio Jorge (PPS) enfatizou os interesses econômicos envolvidos na restrição da cannabis medicinal: “O canabidiol não pode ser patenteado, por isso a indústria não tem interesse nela, porém, é preciso regular o uso, para que as pessoas não tenham que utilizá-la nas concentrações erradas. Cabe à Universidade pesquisar quais são as melhores concentrações, as melhores sementes e até mesmo o melhor óleo.”