Seguir um sonho nem sempre é uma escolha fácil. Para muitos estudantes, ter a oportunidade de fazer uma faculdade em uma instituição pública vem acompanhado de viver longe da família e do seu ambiente de costume. Mudanças, adaptação e novas relações fazem parte da vida de quem muda de cidade para fazer um curso superior.

Na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) , 10.700 alunos (52,54% do total) não são da cidade, considerando graduação presencial, mestrado e doutorado do campus-sede. Os dados são do Centro de Gestão do Conhecimento Organizacional (CGCO) da Universidade. Entre as muitas histórias, tem estudante que esqueceu de descer do ônibus e acordou na garagem da empresa, outro que se desdobra para visitar país e irmãos distribuídos em lugares diferentes do país e gente que vive adoecendo devido à falta de costume com o frio de Juiz de Fora.

(Foto: Arquivo pessoal)

De Araçatuba, a 1.000 km de Juiz de Fora, a estudante Eduarda Queiroz (ao centro) só consegue ir para sua cidade natal nas férias para matar saudades da família, do tempo seco e do calor de 44 graus (Foto: Arquivo pessoal)

Algumas pessoas demoram quase um dia inteiro de viagem nesta jornada entre Juiz de Fora e sua cidade natal. A estudante de Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Humanas, Eduarda Queiroz, é de Araçatuba, interior de São Paulo, a 1.000 km de distância de Juiz de Fora. Ela também só consegue ir para casa nas férias porque não tem linha de ônibus que faça o trajeto todo de uma vez.

Para Eduarda, a maior dificuldade é ficar longe da família e das pessoas próximas. Além disso, sente falta do clima de sua cidade. “Onde eu moro é muito quente, costuma fazer 44 graus. Eu sinto muita diferença em Juiz de Fora, sinto muito frio”. Apesar disso, a adaptação não foi difícil desde que chegou, em  julho de 2016, pois seu namorado já morava na cidade. “Eu gosto muito daqui porque, apesar de ser muito diferente de onde eu moro, é uma cidade com cara de interior, as pessoas que eu conheci foram muito boas comigo”.

Mesmo estado e cidades muito diferentes
Para Bárbara Emyle Camargo, que estuda Ciências Sociais, as boas notas do curso também foram um atrativo. Ela é de Teófilo Otoni, no nordeste de Minas Gerais. Para Juiz de Fora são 588,5 km de distância, por isso vai para casa somente uma vez por ano, nas férias que começam em dezembro, sendo que geralmente faz o trajeto de ônibus ou de carona.

Segundo Bárbara, por um lado é bom aprender a lidar com as dificuldades à sua maneira, pois contribui para o amadurecimento e independência. Além disso, é bom para conhecer novas culturas e comportamentos. Mas ao mesmo tempo ela considera desesperador. “Passamos alguns perrengues e não tem para onde ou para quem correr. Não tem o conforto de estar no seu lugar, na sua casa”. Ela mora em Juiz de Fora há quase três anos e explica que, apesar de ainda estar no mesmo estado, se assustou muito com as diferenças de uma região para outra, inclusive o clima. “Foi muito difícil, o clima me prejudicou muito, adoeci várias vezes. Minha cidade é quente e seca e a chuva é rara, o que é completamente o contrário de Juiz de Fora”.

Para além disso, a Universidade enquanto lugar que facilita encontros, experiências e contatos, também contribui para que esses estudantes façam amizades e conheçam novas pessoas. Para Borges, por exemplo, a Universidade foi fundamental neste ponto. “Se não fosse a UFJF, eu praticamente nao conheceria ninguém. Meu pai fez faculdade aqui, então eu tenho contato com os amigos dele do tempo de faculdade, mas pessoas da minha idade eu não ia conhecer”.

Com a cara e a coragem

(Foto: arquivo pessoal)

“É para esta cidade que eu quero ir”, pensou o estudante Gustavo Leal, de Vitória da Conquista, quando viu a avaliação do MEC para o curso de Engenharia Elétrica da UFJF (Foto: arquivo pessoal)

A UFJF é uma instituição com boas avaliações em muitos cursos. Segundo os estudantes, este é um dos aspectos levados em consideração por quem não é de Juiz de Fora na hora de escolher onde estudar. O aluno de Engenharia Elétrica, Gustavo Leal, é um desses exemplos. De Vitória da Conquista, na Bahia, costuma voltar para sua cidade somente nas férias, enfrentando 17 horas de viagem de ônibus. Ele sempre teve o objetivo de morar fora, por isso trabalhou durante o ensino médio para juntar dinheiro e conseguir sair da Bahia. “Eu trabalhava de manhã, estudava de tarde e fazia cursinho de noite”, conta.  

O estudante diz que jogou sua nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para instituições em cidades que eram semelhantes à dele, em questão de clima e população; mas o ponto que pesou mais foi a avaliação do Ministério da Educação (MEC) quanto à Universidade e quanto ao curso. “Na época, o curso de Engenharia Elétrica era cinco estrelas, aí eu pensei: – ‘é para essa cidade mesmo que eu quero ir’, – e cheguei com a cara e a coragem”. Hoje, ele gosta muito de viver e estudar na UFJF e considera a assistência estudantil e o Restaurante Universitário fundamentais para a manutenção da sua vida na nova cidade.

Para Leal, a maior dificuldade de se mudar para Juiz de Fora foi emocional: “o que a gente sente mais falta é o convívio familiar, essa rotina”. Na cidade há quatro anos, conta que já estava com a mente preparada para grandes mudanças. “Eu já vinha me planejando, trabalhando para juntar uma grana para morar fora. Então eu já tinha isso em mente e me adaptar foi muito fácil, tanto que estive em Juiz de Fora só uma vez, no dia da matrícula. Moradia, alimentação, apoio estudantil, tudo isso eu vi pela internet e já me preparei meses antes para dar entrada”. Neste sentido, a responsabilidade e a autonomia são vistos por ele como pontos positivos de morar longe da Bahia.

Um familiar em cada canto do país

(Foto: arquivo pessoal)

O estudante Álvaro Borges se desdobra para visitar o irmão em Belém, a mãe, em Salvador, o pai, em Goiânia, e outros familiares em Vitória da Conquista (Foto: arquivo pessoal)

Cada estudante que precisa criar o costume de viver em uma nova cidade lida com esta realidade de maneira diferente. O aluno da Faculdade de Jornalismo, Álvaro Borges, nasceu em Montes Claros, Minas Gerais, mas antes de se mudar para Juiz de Fora, morou por dez anos em Belém, no Pará. Ele costuma ir para a sua cidade uma vez por ano. O caminho é feito de ônibus até o Rio de Janeiro ou Belo Horizonte e depois a viagem continua de avião.

Há quase dois anos em Juiz de Fora, se sente tão à vontade que optou por passar essas férias na cidade. “Acho que o sacrifício está valendo muito a pena, a Universidade é ótima e apesar de problemas que todo mundo tem quando vai sair de casa, eu me adaptei bem aqui. Me sinto em casa”, conta.

Borges ainda tem como desafio o fato de ter pessoas da família espalhadas por todo o Brasil. Para ele, uma dificuldade é administrar o tempo que passa com cada um deles nas férias. “Eu morava em Belém, então minha mãe e meu irmão moram lá. Só que ano passado minha mãe estava morando em Salvador e a minha família é de Vitória da Conquista, na Bahia também. E o meu pai mora em Goiânia. Eu tenho que viajar muito durante as férias”.

Esquecido no ônibus
Durante o longo trajeto entre as cidades, podem acontecer situações atípicas. Victor Soares mora em Juiz de Fora desde 2014, quando chegou de Goiânia para terminar o terceiro ano do Ensino Médio. Hoje cursa Serviço Social e, quando entrou na Universidade, fez amigos rapidamente. Atualmente mora sozinho, mas, quando se mudou, vivia com os avós. “Por mais que eu more muito longe, eu tenho família aqui, isso ajudou bastante. Acho legal a experiência, eu gosto da UF e de Juiz de Fora. Eu sinto muita saudade de algumas pessoas lá de Goiânia mas no geral gosto muito dessa experiência”.

O estudante enfrenta 23 horas de viagem de ônibus para chegar em Goiânia, sendo que faz uma parada em Brasília e depois segue para sua cidade. Em uma dessas paradas, Victor passou por um acontecimento incomum. Ele conta que, como dorme muito, é tranquilo ir de ônibus porque consegue dormir as 17 horas iniciais para Brasília. “Uma vez o meu ônibus fazia uma troca no meio do percurso. Parava mais afastado da cidade e encontrava com um ônibus que tava indo do Rio para Brasília e passava por Juiz de Fora. Aqui em Juiz de Fora mesmo, eu trocava de ônibus. Só que eu dormi e eu estava com uma jaqueta da cor da poltrona do ônibus e fiquei camuflado lá, isso era umas 23h. Acordei quase de manhã e eu estava na garagem do lugar. Eu tinha passado a noite inteira dormindo, minhas malas foram para Brasília e eu fiquei, fui duas vezes para Santos Dumont camuflado no ônibus. Tive que ir no outro dia e consegui pegar minhas malas”.