A culpa não é do macaco: existe um longo caminho entre o adoecimento de primatas e o de humanos (Foto: AdrianoSetimo)

A culpa não é do macaco: existe um longo caminho entre o adoecimento de primatas e o de humanos (Foto: AdrianoSetimo)

O crescente número de casos de febre amarela silvestre registrados no estado,  trouxe à tona a preocupação a respeito da doença e seus riscos. Não sem motivos: a morte de primatas pode ser um dos primeiros sinais da proliferação da doença. No entanto, existe um longo caminho entre o adoecimento de macacos e o de humanos, e diversas medidas podem ser tomadas pelas pessoas e pelas autoridades para prevenir a doença.

Trabalhando como Referência Técnica em Imunização da Superintendência Regional de Saúde de Juiz de Fora, a mestranda do Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Louise Candido de Souza observa de perto os eventos ligados à febre amarela. Conforme Louise, em 2017, apesar da ocorrência de macacos contaminados na região, o ano passado não registrou nenhum caso de febre amarela em humanos. No entanto, ela ressalta a importância da vacinação nesse sentido.

“Os índices de cobertura vacinal encontravam-se abaixo do esperado, se elevando para em torno de 80% até janeiro desse ano. Todos os municípios da região possuem a vacina.” Transmitida nas áreas urbanas pelo infame Aedes aegypti, a febre amarela pode ser evitada tomando-se os já conhecidos cuidados para combater a proliferação do mosquito, como evitar pontos de água parada nas residências. Além disso, Juiz de Fora conta com 66 unidades de vacinação funcionando regularmente (incluindo 63 Unidades Básicas de Saúde, o PAM Marechal e os departamentos de Saúde do Idoso e da Criança e do Adolescente).

Para compreender melhor como age a febre amarela, quais as formas de prevenção, qual o papel dos macacos na dinâmica da doença e como combater sua proliferação, entrevistamos três pesquisadores da UFJF, especializados em diferentes aspectos do ciclo da doença: Caroline do Vale, Izabela Palitot da Silva e Rodrigo Daniel de Souza, das áreas de Ecologia, Enfermagem e Medicina, respectivamente.

UFJF: Como funciona o ciclo da doença?
Caroline do Vale: A febre amarela é uma doença viral hemorrágica causada por um arbovírus, é transmitida pela picada do mosquito infectado pelo vírus e afeta principalmente os macacos e as pessoas não vacinadas.

Como podemos nos prevenir contra a febre amarela?
Rodrigo de Souza: Existem duas maneiras: pela vacinação contra a doença e evitando a picada dos mosquitos transmissores.

Desde abril do ano passado, a vacina é de dose única. Uma vez vacinado, o indivíduo está permanentemente imunizado.

Como funciona a vacina contra a febre amarela?
Izabela Palitot: É uma vacina de vírus vivo atenuado, com uma resposta protetora em torno de 95%. O indivíduo passa a ter anticorpos protetores a partir do décimo dia após a vacinação. O público da vacina tem entre 9 meses a 59 anos de idade. Porém, pessoas acima de 60 anos nunca vacinadas e que residem em áreas endêmicas podem ser vacinadas, se não apresentarem nenhuma contraindicação e passarem por avaliação do serviço de saúde. Gestantes e mulheres amamentando precisam passar por avaliação médica.

Se uma pessoa já se vacinou, ela precisa se preocupar em ser vacinada novamente?
Izabela Palitot: Não. Desde abril do ano passado, a vacina é de dose única. Uma vez vacinado, em qualquer intervalo de tempo, o indivíduo está permanentemente imunizado.

Quais as possíveis reações à vacina? Existem resultados adversos?
Izabela Palitot: As principais reações são locais, febre baixa, as mais comuns das vacinas virais. Porém, o número de eventos adversos é baixo. A vacina é segura e, de acordo com o banco de dados, tem demonstrando poucos eventos adversos, e estes limitados aos benignos e de rápida resolução.

Quais são os sintomas da doença?
Rodrigo de Souza: Existem três fases distintas, sendo a primeira um período de infecção, que dura cerca de três dias, tem início súbito e apresenta sintomas gerais, como febre, calafrios, dor de cabeça (cefaléia), dor na região lombar (lombalgia), mialgias generalizadas (dores musculares pelo corpo), prostração, náuseas e vômitos. Segue-se um período de remissão com declínio da temperatura e diminuição dos sintomas, provocando uma sensação de melhora no paciente. Dura poucas horas, no máximo um a dois dias. Na última fase, a toxêmica, reaparecem a febre, a diarréia e os vômitos, com aspecto de borra de café. O paciente pode apresentar falência hepato renal, representado pela diminuição e a ausência da produção de urina (oligúria e anúria), por exemplo, acompanhado de manifestações hemorrágicas.

Uma vez instaurada em nosso organismo, a febre amarela pode evoluir? O que acontece em um quadro grave da doença? Como é o tratamento?
Rodrigo de Souza:  Sim. Podem ocorrer sangramentos, perda da função do fígado e rim, com piora do estado geral, podendo evoluir para coma e morte. Não existe, atualmente, tratamento específico contra a doença. O foco é voltado para reduzir os riscos de complicações.

Qual o papel dos macacos na dinâmica da contaminação? Eles podem transmitir a doença para humanos ou mesmo contribuir de alguma forma para a proliferação da febre amarela?
Rodrigo de Souza: Os macacos são considerados como reservatórios temporários, como morrem rapidamente após infectados, não tem papel relevante na dinâmica. Suas mortes apenas nos oferecem um alerta para a possível circulação do vírus naquele local. Os macacos não transmitem a doença. Eles são vítimas precoces da doença, não os vilões.
Caroline do Vale: Os primatas possuem um importante papel no auxílio a vigilância epidemiológica da doença. Os eventos epidemiológicos registrados nas populações de macacos auxiliam na identificação da circulação e da rota geográfica do vírus da febre amarela nos ambientes onde os seres humanos possam vir a ser expostos e contaminados. O Ministério da Saúde desde 1999 incorporou ao Sistema de Vigilância da Febre Amarela o Sistema de Vigilância de Eventos Epizoóticos de Primatas Não Humanos, como forma de auxiliar na prevenção da doença.

No Brasil, a febre amarela urbana foi eliminada em 1942, ocorrendo no país apenas a forma silvestre.

Qual a diferença entre a febre amarela silvestre e a urbana?
Caroline do Vale: O vírus da febre amarela geralmente é mantido em ciclos silvestres, em áreas florestadas. No ciclo silvestre os vetores são os mosquitos dos gêneros Aedes, Haemagogus e Sabethes, a doença afeta os macacos e pessoas não vacinadas que adentram ou vivem na proximidade desses ambientes florestados ou na zona rural.
No ciclo urbano o vetor principal é o mosquito Aedes; que também pode transmitir Dengue, Chikungunya e Zika; e os hospedeiros são os seres humanos. Mas no Brasil, a febre amarela urbana foi eliminada em 1942, ocorrendo no país apenas a forma silvestre.

O vírus é transmitido para os macacos da mesma forma ​que ​é transmitido para os humanos? Os primatas podem transmitir febre amarela para os humanos?
Caroline do Vale: Tanto para os macacos como para as pessoas o vírus é transmitido pela picada do mosquito infectado pelo vírus, não ocorrendo a transmissão da febre amarela dos macacos paras as pessoas, pois os macacos não são transmissores da doença. Igualmente o oposto não ocorre, pessoas não são transmissoras da doença.

Há registro de homicídio e agressões a macacos em decorrência do medo gerado pela desinformação sobre o assunto. O que é preciso esclarecer para evitar eventos como esses?
Caroline do Vale: Infelizmente, casos de agressões e mortes de primatas causadas intencionalmente por pessoas têm sido registradas em várias cidades. Principalmente pela falta de informação, que leva muitas pessoas a suporem que os macacos são os transmissores da doença. Em muitos casos quando os primatas sobrevivem aos ataques e conseguem ser resgatados as lesões são tão graves que esses ficam impossibilitados de retornar ao habitat natural, sendo condenados a passar o resto da vida em cativeiro, de abrigos ou zoológicos.
No município de Juiz de Fora são encontrados o Bugio (Alouatta guariba), Mico Estrela (Callithrix penicillata), Sauá (Callicebus personatus) e o Macaco prego (Sapajus nigritus ). Os macacos possuem uma grande importância ecológica, por consumirem uma ampla variedade de espécies vegetais eles atuam como dispersores nos ambientes onde vivem, contribuindo para a manutenção da estrutura vegetal e para regeneração florestal.
Os macacos do Gênero Alouatta parecem ser os mais afetados pela doença seguido por Callithrix. Os Bugios por terem um maior porte ingerem uma ampla variedade de tamanhos de frutos e sementes, ao contrário de outros animais como as aves e macacos de pequeno porte, eles também são capazes de sobreviver em pequenas áreas e locais degradados e desmatados, fazendo deles espécies importantes na manutenção dos fragmentos florestais.

Em relação aos primatas com febre amarela, é possível que um mosquito, após picar um macaco com a doença, transmita a febre amarela para seres humanos?
Caroline do Vale: Apesar desta poder ser uma via de contaminação do mosquito, é preciso saber que uma vez infectados tanto os macacos como as pessoas, ou vem a óbito ou curam-se da doença, ficando esses últimos imunes a ela a vida toda, por isso são considerados apenas hospedeiros amplificadores da doença e não reservatórios. Os mosquitos, no entanto, uma vez infectados pelos vírus, permanecem dessa forma a vida toda, por isso, além de vetores transmissores são também reservatórios da doença.