Carlos Bracher_ Altar da Igreja de São Francisco (Foto: Divulgação|)

Altar da Igreja de São Francisco, obra de Carlos Bracher (Foto: Divulgação|)

Uma cidade erigida como monumento artístico e histórico, apresentada pelos versos de um poeta e por obras de diferentes artistas visuais. A arquitetura do barroco mineiro é homenageada na mostra “Contemplação de Ouro Preto”, em cartaz na galeria Convergência do Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A exposição apresenta excertos de poemas do livro homônimo de Murilo Mendes, acompanhados de 37 obras de diversas linguagens, de autoria de artistas como Arlindo Daibert, Carlos Bracher, Fani Bracher,  Fernando Lucchesi, Hélio Siqueira, Mauro Spinelli Pinto, Paulo Alvarez, Ricardo Cristofaro, Ricardo Homem, Zilah Consentino. A abertura da mostra acontecerá na quarta-feira, dia 4, às 20h.

O clima barroco se apresenta ao visitante com o pórtico da Igreja de São Francisco, milimetricamente reproduzido à entrada da galeria. Ao abrir as portas que dariam para a nave da igreja, o que há é o espaço da galeria, todo decorado em violeta e cinza. A Paixão e a Morte de Jesus Cristo, relembradas nos ritos da Semana Santa, estão nas cores, na meia-luz que filtra apenas as obras dispostas no espaço, deixando o resto do ambiente sob o soturno pesar da penumbra.

Ecoando pelo cenário está o Canto de Santa Verônica, dizendo: “O vos omnes / Qui transitis per viam,/ Attendite, et videte / Si est dolor similis sicut dolor meus./ Attendite, universi populi Et videte dolorem meum.”  (Oh vós todos /Que passais pela via,/ Vinde e vede: Se há dor semelhante à minha! /Atentai, povos do mundo,/ E vede a minha dor).

Servindo como uma entrada aos visitantes, a canção prepara o caminho da exposição, que agora não é o da Via Sacra, mas o das ruas de Ouro Preto. No início, um quadro em técnica mista de Fernando Lucchesi apresenta o Museu da Inconfidência, um dos símbolos de Ouro Preto. Logo abaixo, numa vitrine, estão expostas edições do livro de Murilo Mendes que inspiram a mostra e fotos suas, acompanhado por sua mulher, Maria da Saudade Cortesão, em diversos pontos da cidade. Também na vitrine, um trabalho contemporâneo de Ricardo Homem alude ao período aurífero que deu origem e fama à cidadela.

Nesse ponto, o visitante já enxerga ao final do corredor o altar da Igreja do poverello de Assis, pintado pelas mãos de Carlos Bracher. O quadro faz parte de uma série dedicada aos 200 anos da morte de Aleijadinho, mas o caminho que leva até a seção com os trabalhos de Bracher é calcado pelas fotografias do médico Murilo Spinelli Pinto. “Da pedra o antigo testemunho se levanta”, diz um dos versos do poema “Motivos de Ouro Preto”, que enquadra o recorte. Ali, 15 fotos apresentam os detalhes arquitetônicos da cidade barroca: a pedra das ruas, os telhados, as janelas e as  luminárias à entrada das casas; as aldravas, o capitel das colunas, as correntes, os sinos e as Igrejas. O estilo barroco encarnado na arquitetura. Nas paredes, o poema muriliano recordando a força histórica do local: “A experiência de sombras traslada… A presença do tempo traduzindo. O silêncio ao silêncio se juntando. Nesses becos e vielas embuçados/ A reunião de natureza e arte /Por um gênio severo combinada.(…) /Despojando de efêmeros enfeites / A pátina paciente de Ouro Preto sobre aparências estendendo um véu: Tudo aparelha a mente para morte…”

Cosmovisão

Em “O canto alternativo das Igrejas” aparecem seis obras de Carlos Bracher, todas em óleo sobre tela. Seus temas são quase todos religiosos: O altar da Igreja de São Francisco; O retábulo do altar-mor da mesma Igreja; Cristo com raios; Aleijadinho esculpindo a Cristo; Cristo no Horto das Oliveiras; e Nossa Senhora das Dores. Nas obras de Bracher há um interessante efeito técnico: as figuras retratadas se apresentam nitidamente apenas quando olhadas à distância. De perto mostram-se distorcidas. Analogia perfeita com a cosmovisão do autor de “Tempo e Eternidade”.

Hélio Siqueira_ Pietá (Foto: Divulgação)

Hélio Siqueira_ Pietá, de Hélio Siqueira (Foto: Divulgação)

Na estética muriliana, as coisas temporais são vistas de modo metafísico. Os objetos do sentido são transfigurados pela perspectiva religiosa. O distanciamento temporal e a perspectiva da vida após a morte dão a devida medida das coisas. Tal qual em algumas obras de Bracher expostas em “Contemplação de Ouro Preto”,  a proximidade cega, e à distância é possível enxergar o panorama no qual tudo se encaixa.

Do artista também há Ouro Preto retratada numa visão do alto, vista em unidade. O trabalho, feito no final da década de 1960, denota o ambiente lúgubre do município, que, para além da riqueza e da opulência, também abrigou o vício da ambição dos mineradores e o sofrimento dos escravos. No poema que acompanha a obra, diz Murilo Mendes: “Desponta o primeiro espectro/ Duas algemas arrasta/ Veste a camisa marcada/ Dos criminosos infames/ Conversando o Crucifixo/ Logo a morte se descobre…”

Diante das obras de Carlos Bracher estão os quadros de Fani Bracher: dois óleos sobre tela sem títulos, ilustrando o poema “Flores de Ouro Preto”, dedicado a Cecília Meireles. Os trabalhos remetem, também, ao sofrimento e à morte que fizeram a história ouro-pretana: debaixo dos morros da cidade, pilhas e pilhas de ossos humanos amontoam escombros. Da artista ainda há “Mineração III”, que mostra as colinas lixiviadas da cidade, obra acompanhada do poema “Montanhas de Ouro Preto”, dedicado a Lourival Gomes Machado. Delas diz o poeta: “Desdobram-se as montanhas de Ouro Preto/ Na perfurada luz, em plano austero./ Montes contempladores, circunscritos/ Entre cinza e castanho o olhar domado.”

Perspectivas

Seguindo o corredor, estão três cerâmicas de Hélio Siqueira, sendo uma coroa de espinhos e duas Pietás. A dor da Virgem Maria ao enterrar o Filho-Deus também aparece em duas outras pinturas do mesmo Hélio Siqueira, que são acompanhadas pelo “Dispositivo para rever a paixão de Marcier”, objeto de autoria do professor do Instituto de Artes e Design (IAD), Ricardo Cristofaro. Interessante notar as diferentes perspectivas da mesma cena, feitas pelas mesmas mãos: duas em cerâmica e outras duas em óleo sobre tela.

A Mater Dolorosa reaparece no centro da galeria, em outro trabalho de Carlos Bracher, o qual é acompanhado por uma imagem de Nossa Senhora das Dores e outra do Divino Espírito Santo, simbolizando a devoção popular.

Fani Bracher_ Sem Título (Foto: Divulgação)

Obra sem título, de Fani Bracher (Foto: Divulgação)

Também no centro da galeria, está a obra-objeto de Paulo Alvarez, que representa um altar popular comum nas cidades do interior, com flores e diversos objetos de devoção: escapulário, flores, terços, velas e ex-votos. Acima do altar está o Cristo Crucificado, em madeira entalhada, de Zilah Consentino, e os objetos-alegoria da Paixão de Cristo, de Fani Bracher.  

No final do circuito expositivo, o visitante reencontra a fonte musical que embala seu percurso. Um sudário com a face de Cristo representada, pertencente à Arquidiocese de Juiz de Fora, está exposto nesse setor, ladeado por dois monitores de vídeo – um deles com uma encenação da Via Sacra – Santa Verônica enxugando o rosto do Cristo banhado em sangue, fixando sobre o manto o rosto do Homem-Deus -, normalmente representada na Quaresma, e o outro com diversas representações de Santa Verônica e do Sudário ao longo da história da arte.

Criando uma ponte entre os mártires do passado e recentes, ao final do trajeto está uma obra de Arlindo Daibert, alusiva ao  Tiradentes Esquartejado de Pedro Américo, na qual,  marcados com o triângulo símbolo da Inconfidência, estão diversos heróis da história do país.

Busca

“Contemplação de Ouro Preto” surge no Mamm sob o signo da Cruz de seu patrono. Na haste horizontal, a busca pela inseparável relação entre os tempos e os lugares; no sentido vertical, o diálogo com o princípio essencial da humanidade. Com efeito, o poema “Romance das Igrejas de Minas” demonstra o objetivo da busca do poeta juiz-forano nesta cidade tipicamente mineira: “Minha alma sobe ladeiras, minha alma desce ladeiras, com um candeia na mão, procurando nas igrejas, da cidade e do sertão, o Gênio das Minas Gerais… Estes ares salutares, lavados, finos, porosos, minerais essenciais. Este silêncio e sossego. Estas montanhas severas, esta antiga solidão, com o sinal do seu lirismo, com a cruz da sua paixão.”

Outras duas exposições também serão abertas nesta quarta-feira: Exposição homenageia aniversário de 90 anos do movimento literário Verde e  Modernidade Europeia apresenta história da arte moderna através de gravuras

As exposições podem ser visitadas de terça a sexta-feira, das 9h às 18h; e sábados, domingos e feriados, das 12h às 18h.

O Mamm fica localizado na Rua Benjamin Constant 790, no Centro da cidade.

Outras informações: (32) 3229-9070 (Mamm-UFJF)