Palestra da doutoranda Fernanda Bassoli promoveu o diálogo entre neurociência e a teoria da aprendizagem significativa (Foto: Alexandre Dornelas)

Palestra da doutoranda Fernanda Bassoli promoveu o diálogo entre neurociência e a teoria da aprendizagem significativa (Foto: Fayne Ferrari/UFJF)

Como promover um aprendizado significativo? Esse tem sido o objeto de estudo de muitos pesquisadores ao longo do tempo, que buscam entender como esse processo ocorre e de que forma a sala de aula pode se tornar um ambiente propício para que ele seja mais eficiente. O assunto, em alta desde a reforma do Ensino Médio, sancionada em fevereiro deste ano, foi fonte de debate no Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com o seminário “Promovendo diálogos entre a Neurociência e a Teoria da Aprendizagem Significativa: contribuições para a prática docente”, apresentado pela doutoranda Fernanda Bassoli. O evento é parte das atividades promovidas pelo Programa de Pós-graduação em Química da UFJF.

Para Fernanda, a discussão é necessária para permitir novas estratégias de ensino. “O processo de ensino-aprendizagem não é causal. Não é porque tem alguém ensinando, que o aluno está aprendendo. Então, é importante entender esse processo para que a gente possa tentar atuar de forma a garantir uma aprendizagem significativa.” A apresentação investigou as possibilidades de aplicação dos conceitos básicos da neurociência para otimizar o aprendizado, tendo como ponto de partida as ideias propostas na Teoria da Aprendizagem Significativa.

“A escola precisa ter significado para o aluno”, afirmou a palestrante (Foto: Alexandre Dornelas)

“A escola precisa ter significado para o aluno”, afirmou a palestrante (Foto: Fayne Ferrari/UFJF)

O que é a Teoria de Aprendizagem Significativa (TAS)?

Proposta pelo especialista em Psicologia Educacional, David Ausubel, na década de 60, ela considera que quanto mais sabemos, mais aprendemos. Para o pesquisador, o fator isolado que mais influencia o aprendizado é o conhecimento prévio do aluno, o que vai de encontro às ideias predominantes da época, de natureza behaviorista, que consideravam que os alunos só aprenderiam caso fossem ensinados por alguém, ignorando o que os estudantes já sabiam.  

O autor considerava que a aprendizagem se dividia em dois conceitos: a aprendizagem mecânica e a significativa. “A mecânica está associada à ‘decoreba’. É quando o aluno memoriza a informação correndo, só para a prova, e não associa essa informação aos subsunçores (conhecimentos prévios). Desta forma, ele não consegue reter as informações por muito tempo e acaba esquecendo o conteúdo”, aponta Fernanda. Já a aprendizagem significativa ocorre quando há interação entre as novas informações e os conhecimentos prévios existentes na estrutura cognitiva do aluno. “Com isso, ele é capaz de consolidar esse conhecimento e acessá-lo na memória por mais tempo.”

Como “moldar” nosso cérebro?

No ponto de vista da neurociência, a aprendizagem é o fortalecimento e enfraquecimento das conexões neurais em resposta ao meio. Essa capacidade do sistema nervoso de se transformar diante de estímulos é chamada de neuroplasticidade. “É como uma argila, que nós conseguimos moldar. É essa capacidade que permite, por exemplo, a recuperação motora e os processos de aprendizagem. O cérebro também tem essa capacidade de alteração na conectividade entre os neurônios.”

Alguns fatores também atuam na memória, como as emoções e o sono

Outro conceito importante é o de memória (aquisição, conservação e evocação de informações). Enquanto a memória de curto prazo não deixa traços bioquímicos, dura apenas alguns segundos ou minutos, a memória de longo prazo é responsável, por exemplo, por armazenar procedimentos (como andar de bicicleta), eventos e fatos. Além disso, a memória operacional ou de trabalho também tem papel importante nos processos de aprendizagem. É ela que faz a ponte entre a memória de curto e longo prazo, possibilitando o resgate das informações aprendidas ou consolidadas, associando-as a novas informações. Sua capacidade, no entanto, é limitada. “É por isso que não adianta ficar jogando um conteúdo atrás do outro em cima dos alunos. A memória é limitada e é bem provável que a informação não fique gravada.” Alguns fatores também atuam na memória, como as emoções e o sono. As emoções agem modulando e reforçando as memórias, enquanto o sono é essencial para “limpar” a memória de trabalho, logo, atua no aprendizado. “É dormindo que a gente aprende, consolida as informações relevantes.”

Encontro entre neurociência e TAS

Segundo Fernanda, existe uma carência muito grande em pesquisas que relacionem as duas áreas, “mas é necessário que essa interdisciplinaridade aconteça”, e é possível fazer várias relações entre ambas. É o caso da associação entre conhecimentos prévios e redes neurais. “Dizer que os conhecimentos prévios do aluno ajudam no processo de aprendizagem é o mesmo que falar das redes neurais que o indivíduo já possui.”

Utilizar diferentes estímulos sinestésicos e criar um ambiente de afetividade promovem emoções positivas e estimulam a memória

Contribuições para a prática docente

A partir de pesquisas sobre aprendizagem, é  possível encontrar encaminhamentos e novas formas de organização do ambiente escolar. Fernanda afirma que a estrutura da escola não contribui para o processo de aprendizado e vários fatores deveriam ser levados em consideração. É o caso do horário escolar. “Aulas às 7h da manhã não são o ideal para adolescentes que nessa fase tem o ciclo de sono e vigília alterado em função das modificações hormonais e, caso o aluno não durma suficientemente, não conseguirá consolidar as informações e nem manter a atenção nas aulas.” Outros pontos relevantes são a alimentação (a síntese de proteínas atua na memória) e o contexto sociocultural do aluno, uma vez que fatores como estresse e ansiedade interferem diretamente na aprendizagem.

O currículo também deveria ser repensado. “Menos é mais. Memória é adaptação e esquecimento. Não adianta sobrecarregar com informação, porque o aluno não vai conseguir reter”, pondera. A organização lógica dos conteúdos, através dos conceitos de diferenciação progressiva (do geral para o específico) e reconciliação integrativa (retomada das informações), incentivo a maiores possibilidades de ressignificação, mais tempo e espaço para questões dos alunos e estratégias de motivação também são importantes.

A estrutura da escola não contribui para o processo de aprendizado

Quanto a metodologia de ensino, é necessário que os educadores utilizem diversas estratégias e recursos (multimodalidade) para atender aos diferentes estilos de aprendizagem. Utilizar diferentes estímulos sinestésicos e criar um ambiente de afetividade promovem emoções positivas e estimulam a memória. Já as avaliações não deveriam privilegiar a “decoreba” e a memória de curto prazo, mas incentivar as interrelações entre os conteúdos, assim como é importante que os alunos não se sintam pressionados e estressados, permitindo a maior fixação do conhecimento.

“Será que a escola não estaria atuando de forma contrária ao mecanismo neurofisiológico de funcionamento do sistema nervoso, produzindo o fracasso escolar? Que escola é essa que cria um padrão de ‘normalidade’, que é antinatural, ao passo que incentiva a medicalização de alunos que saem desse ‘padrão’?”. É o caso de drogas como a ritalina, que vêm sendo usadas com o objetivo de melhorar o desempenho nos estudos e no trabalho. O Brasil é o segundo país do mundo no consumo da droga. “O uso indiscriminado poderia ser evitado caso o sistema educacional entendesse que o aluno não é uma máquina e é impossível padronizar essas relações. A escola precisa ter significado para o aluno.”

Ouça, no áudio abaixo, Fernanda discorrendo sobre a medicalização e o ensino: