Pesquisadores do Programa de Pós-graduação em Ciência da Religião da UFJF conversaram sobre os significados históricos e atuais da Páscoa no Brasil (Foto: Stefânia Sangi)

Pesquisadores em Ciência da Religião da UFJF conversaram sobre os significados históricos e atuais da Páscoa no Brasil (Foto: Stefânia Sangi)

Em um país influenciado pela tradição cristã, como é o caso do Brasil, a Semana Santa é um período atípico no calendário. Para aqueles que seguem algumas vertentes religiosas, é um período de meditação e oração; para aqueles que não comemoram a Páscoa, existe a oportunidade de desfrutar o feriado. Devido à influência das festividades na vida dos brasileiros, o campo da Ciência da Religião procura entender os significados dessa festa e como isso é visto ao longo do tempo.

Um importante questionamento feito pelos pensadores da religião e também pelos fieis é se a Semana Santa é vivida, atualmente, da mesma forma que há anos atrás. De acordo com o professor do Programa de Pós-graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Volney Berkenbrock, “a festa religiosa tem o intuito de reviver o que aconteceu em outro tempo, por isso não deve ser uma preocupação se a forma com que é comemorada hoje é igual há quinhentos anos, pois não é. As festividades passam por transformações históricas e agregam novos significados ao cerne que é sempre o mesmo”.

Processo histórico

A Páscoa como conhecemos é fruto de um processo histórico dinâmico, que cria e ressalta significados ao longo do tempo. No entanto, o cerne, de acordo com o professor Berkenbrock, é o mesmo: “A vida que morre, mas sempre reaparece”. Essa experiência se manifestou primeiramente na observação da natureza, já que este é o início da primavera no hemisfério norte, onde foi criado a Páscoa. A primavera é o reaparecimento da vida depois do período de inverno onde toda a natureza aparentemente morre.

“Os símbolos religiosos só funcionam bem, com força, quando as pessoas podem identificar seus significados com as suas vidas, suas realidades existenciais, o chão de suas histórias”

A essa festa primaveril judaica foi unificada à comemoração da libertação do povo do Egito, que volta a ter liberdade depois de serem escravizados. De acordo com registros históricos, depois, o cristianismo, que tem a mesma origem abraâmica do judaísmo, ressignificou a festa judaica com a ideia da ressurreição, o Deus que é morto mas volta à vida. Há um rompimento na data da comemoração, pois o judaísmo se baseia no calendário lunar e o cristianismo passou a se basear no calendário solar. Então, no ano de 325, ficou definido que a Páscoa seria comemorada no primeiro domingo depois da primeira lua cheia da primavera no hemisfério norte.  

Outra tradição que foi criada e anexada ao longo da história são os ovos de chocolate junto à figura do coelho. “A primavera é o tempo em que os pássaros voltam a pôr seus ovos, ou seja, a gerar a vida. Por isso a tradição de presentear com ovos de chocolate. E, ainda nesse contexto de voltar à vida, temos o coelho que, na primavera, sai da sua toca depois do inverno”.

A Páscoa hoje

Os significados dados a Páscoa são amplos hoje, até mesmo fora do catolicismo, devido ao processo tecnológico que facilita o acesso a novidades culturais. “A velocidade de mudanças culturais hoje é maior, mas o fato das mesmas  existirem, e as festas religiosas estão nessa mesma dinâmica, é uma constante na história. Por isso, hoje vemos um interesse do mercado na venda de ovos. Alguns terreiros de Candomblé, por exemplo, não tocam atabaque durante a quaresma e a própria Igreja tem suas diferenças na forma popular de viver a festa de acordo com cada cultura, mesmo tendo uma mesma liturgia.”

“O cerne dos símbolos da semana santa é o mesmo, mas as experiências que as pessoas fazem dos símbolos (...) são sempre incontroláveis”, pondera o pesquisador Rodrigo Portella (Foto: Stefânia Sangi)

“O cerne dos símbolos da semana santa é o mesmo, mas as experiências que as pessoas fazem deles são sempre incontroláveis”, pondera o pesquisador Rodrigo Portella (Foto: Stefânia Sangi)

O também professor do curso de Ciências da Religião, Rodrigo Portella, destacou o significado do simbolismo religioso na vida individual. “Os símbolos religiosos só funcionam bem, com força, quando as pessoas podem identificar seus significados com as suas vidas, suas realidades existenciais, o chão de suas histórias.”

Como forma de ilustrar sua fala, Portella deu como exemplo a vivência brasileira de fiéis católicos da Semana Santa. “Interessante é ressaltar que, embora o ápice de tal comemoração, a Páscoa propriamente dita é a comemoração menos visível entre os cristãos. O que sobressai, principalmente, é a sexta-feira da paixão, são as procissões do Senhor morto, do encontro entre a Virgem das Dores e o Senhor dos passos, enfim, os símbolos que apontam para a dor e o sofrimento.  Claro que isto se entende facilmente, afinal, este aspecto da religião cristã tem bastante semelhança com a maior parte das pessoas que vive dificuldades econômicas, sociais, em ambientes de injustiças e violências.”

Para Portella, “o cerne dos símbolos da semana santa é o mesmo, mas as experiências que as pessoas fazem dos símbolos, ou seja, os significados que dão a dor, ressurreição, esperança, sacrifício, perdão e reconciliação, dentre outros temas presentes na semana santa, são sempre incontroláveis, tendo apenas a rito litúrgico como forma fixa.”

Outras informações:

(32) 2102-3116 / 3130 (Programa de Pós-graduação em Ciência da Religião)