Desastre no Vale do Rio Doce antecedentes, impactos e ações sobre a destruição Foto Divulgação

Livro foi organizado por Bruno Milanez, da UFJF, e por Cristiana Losekann, da Ufes (Foto: Divulgação)

O rompimento da barragem do Fundão, controlada pela Samarco Mineração S.A. em Mariana (MG) – maior crime ambiental do Brasil envolvendo a mineração – completará um ano e três meses no próximo dia 5. Para sistematizar informações produzidas por movimentos sociais e pesquisadores sobre o assunto, o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Bruno Milanez, organizou o livro “Desastre no Vale do Rio Doce: antecedentes, impactos e ações sobre a destruição”. A publicação, que está disponível na íntegra para download, foi coordenada em parceria com a professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Cristiana Losekann.

De acordo com Milanez, mais de um ano após o crime ambiental, ainda não foram valorados os prejuízos gerados pela interrupção violenta das atividades tradicionais de milhares de pescadores – no rio e no mar – de agricultores e profissionais diversos ligados ao turismo em Minas Gerais e no Espírito Santo.

O desastre poderia ter sido oportunidade para a discussão do modelo mineral brasileiro e do papel da mineração na economia nacional. Porém, segundo o professor, isso não ocorreu. “Um dos argumentos colocados de forma mais enfática dentre os movimentos sociais que debatem a mineração é a necessidade de o Brasil se perceber um país extrativista. O modelo de crescimento do país é baseado na exportação de commodities minerais e agrícolas, com baixo valor agregado e intenso consumo de recursos naturais. O caso da mineração ainda é mais emblemático por ser um setor intensivo em acidentes e adoecimento do trabalhador. Muitas vezes se propaga que quem critica o modelo mineral atual é contra a mineração. Essa é uma distorção de nossas preocupações. Estamos contestando, em primeiro lugar, o modelo de mineração do Brasil. É impressionante a quantidade de minérios que, depois de extraída não é consumida no Brasil, mas sim exportada para garantir o consumo de outros países. Apenas para citar alguns minérios mais emblemáticos: nióbio (91%), ouro (80%), cobre (80%), manganês (75%) e minério de ferro (71%).”

Samarco: exemplo de modelo extrativista

Milanez afirma que o caso Samarco é um exemplo desse modelo. “Todo o minério extraído é exportado, nada fica no país. Porém, ao invés de usar a paralisação da Samarco para se discutir a diversificação da economia de Mariana e a redução da dependência econômica da mineração, há um grupo que continua insistindo que a vocação da cidade é ser mineradora. Esse tipo de raciocínio é repetido em muitos lugares no país, sem que as pessoas percebam os impactos sociais, ambientais e econômicos de longo prazo.”

O professor, que é integrante do Grupo de Pesquisa Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (Poemas), realiza atividades de pesquisa e extensão em relação à mineração desde 2010, o que facilitou a compilação de dados para a publicação. “Fazemos um trabalho muito próximo a movimentos sociais, como o Comitê em Defesa dos Territórios frente à Mineração e o Movimento pela Soberania Popular na Mineração. Assim, já temos uma ampla rede de contato com pesquisadores e movimentos sociais que debatem o modelo mineral brasileiro.”

Ele acrescenta que, quando houve o rompimento da barragem do Fundão, o grupo Poemas foi convidado pelo Comitê a produzir um relatório que ajudasse a entender as causas do rompimento. “Essa versão preliminar ficou pronta em dezembro de 2015. A partir desse estudo, foi natural que continuássemos acompanhando outros estudos e relatórios. Com o passar do tempo, fomos percebendo que havia estudos muito bons, porém, eles estavam dispersos em diferentes sites da internet. Como forma de evitar que toda essa riqueza se perdesse no longo prazo, eu e a professora Cristiana Losekann imaginamos que o livro iria ajudar a sistematizar os estudos. Além disso, a publicação permitiu a apresentação em uma única obra de diferentes olhares sobre o desastre.”

Novo Código de Mineração

Uma das questões abordadas pelo livro é a diferença de acesso aos tomadores de decisão sobre o modelo mineral do país. Muitos deputados que integram a comissão para redação do novo Código de Mineração brasileiro tiveram suas campanhas políticas financiadas por empresas mineradoras. Por outro lado, ainda, de acordo com a publicação, comunidades atingidas e trabalhadores raramente conseguem apresentar suas propostas. Na avaliação de Milanez, a reforma do sistema de financiamento de campanha foi importante medida para minimizar a referida desigualdade, mas não resolve o problema.Ao menos agora, a doação legal não poderá ser feita diretamente à campanha de determinado candidato o que, em teoria, reduziria a capacidade de pressão das empresas. Na prática, porém, resolver essa questão será muito mais complicado, uma vez que pessoas jurídicas ainda poderão fazer doações para os fundos partidários. Não há solução fácil e rápida para essa questão. Enquanto ela vai sendo construída, é fundamental que os movimentos sociais continuem investigando e denunciando relações de conflitos de interesses na tentativa de constranger a ação de políticos que colocam os interesses privados de determinadas empresas acima dos interesses da sociedade como um todo”.

Nova publicação será lançada em abril de 2017

Milanez revela que já trabalha na produção de novas informações sobre o crime ambiental de Mariana (MG). “Esse trabalho será organizado pela Justiça Global, uma Organização Não Governamental (ONG) que atua na defesa dos direitos humanos. O objetivo é analisar a situação depois de um ano do rompimento. Esse livro deve estar pronto em abril ou maio. Fora isso, dentro do Poemas, temos outras pesquisas que trabalham a questão mineral em uma perspectiva um pouco mais ampla, discutindo o seu papel em diferentes municípios de Minas Gerais. O caso da Samarco está inserido nesse debate, mas ele será um pouco mais amplo. Nosso horizonte para terminar essa pesquisa é o final do ano.”

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