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Discussões acontecem na sede das Nações Unidas, em Genebra, e Homa será representado pela coordenadora do projeto, Manoela Roland, e pelos pesquisadores Luiz Carlos Faria Júnior, Paola Angeluci e Lauren Canuto (Foto: Falcon_33 – via Visualhunt/CC BY-SA)

Lama, rejeitos sólidos e uma área atingida equivalente a mais de seis vezes a cidade de São Paulo: os prejuízos causados pelas barragens que se romperam em Mariana são incalculáveis. Desde crimes ambientais, como o caso da Samarco, até o extermínio de populações inteiras, são muitos os casos de violações dos Direitos Humanos cometidas por empresas em nome do lucro. A necessidade de responsabilização desses atos foi o que incentivou a aprovação de uma resolução das Nações Unidas com o objetivo de desenvolver um tratado internacional obrigatório para regular a atuação de empresas. As discussões acontecem na sede da ONU, em Genebra, a partir desta segunda-feira, 24, até sexta, 28, e contam com a presença de pesquisadores do Homa, projeto da Faculdade de Direito da UFJF, única instituição brasileira a participar da reunião.

O Homa (do esperanto, humano) é um centro de estudos, reconhecido como a organização acadêmica brasileira mais atuante nesse processo. A professora Manoela Roland, coordenadora geral do projeto, conta que ele “se insere nessa iniciativa como um centro de pesquisa que desenvolve produtos que buscam qualificar o diálogo e munir a sociedade civil e outros centros. Dessa forma, eles podem participar do debate também e estabelecer as cláusulas mais efetivas para responsabilizar as empresas por violações de direitos humanos.”

Manoela afirma que esse “é um momento decisivo de avaliar se realmente vai haver progresso nessa perspectiva. Nós vemos acontecimentos catastróficos, como o caso de Mariana, o maior crime ambiental do país, e que está, de certa forma, impune até hoje. Então, para evitar a reprodução desse tipo ação que a gente está contribuindo nesse processo”. O marco regulatório deve atingir de maneira mais afetiva as empresas transnacionais, que são as que mais se beneficiam desses mecanismos de impunidade.

Além de Manoela, os pesquisadores do Homa, Luiz Carlos Faria Junior, Paola Angeluci e Lauren Canuto, também participarão do encontro. O material submetido para a reunião conta com sugestões para o tratado, cobrindo temas como responsabilidade empresarial, extraterritorialidade e acesso à justiça. “A primeira seção intergovernamental, que nós também participamos, aconteceu em 2015 e foi aprovado um cronograma de trabalho e eleita a presidenta. Nesta segunda seção, o objetivo é que avance mais o debate e se inicie uma discussão mais efetiva de conteúdo”, completa.

Aprofundando as discussões
Além das submissões de propostas para o desenvolvimento do tratado, o grupo também organiza um side event (evento paralelo).  Em parceria com entidades da sociedade civil, o evento busca discutir direitos humanos e corporações a partir da ótica da vivência brasileira: como a sociedade se organiza e se qualifica, como é feita a interlocução com outros meios, os principais desafios e a agenda para o futuro. Haverá a participação de uma representante do MAB (Movimento dos Afetados por Barragens), que abordará o caso de Mariana.

O grupo ainda vai apresentar os resultados da primeira versão de um estudo que observa a qualidade da proteção ao afetado no país. Realizado junto à sociedade civil e encomendado pela Fundação Friedrich Ebert (FES), o trabalho mapeou essas violações e serve como base para avaliar melhor as demandas, inclusive no cenário internacional, para a proteção dos afetados no Brasil. “Ele reforça a necessidade de envolvimento do Brasil nesse processo de negociação do tratado, demonstrando que o marco de regulamentação interno não é suficiente e que as empresas se mantêm impunes frente às diversas violações dos direitos humanos cometidas”, ressalta Manoela.

No caso do Brasil, a pesquisadora explica que, apesar da legislação ser supostamente sofisticada, ela não é aplicada de forma adequada, o que é motivado por interesses políticos e econômicos do próprio Estado. “Os Estados, às vezes propositadamente, mantém frágeis os mecanismos de acesso à justiça e responsabilidade penal e uma dinâmica quase de excepcionalidade das leis frente à vontade das empresas. Isso cria uma dificuldade muito grande de se obter justiça ao afetado. E esse padrão se repete mundialmente.”

O governo brasileiro se absteve na votação da resolução e, com a mudança governamental, ainda não se sabe a posição do país frente às negociações. “A gente quer chamar a atenção para a necessidade do Brasil se envolver mais ativamente nesse processo. A vivência da impunidade no Brasil é concreta, é real, e seria importante o comprometimento do país, não apenas aperfeiçoando as leis nacionais, como também incentivando a discussão em âmbito internacional”, completa.

Histórico de medidas
Essa agenda foi incorporada pela ONU na década de 70, quando o ex-presidente do Chile, Salvador Allende, discursou sobre o tema na Assembleia Geral das Nações Unidas, reconhecendo as empresas como principais violadoras dos direitos humanos. Desde então, o debate se estende e medidas mais flexíveis quanto a regulamentação foram as que mais ganharam espaço. Esses princípios, no entanto, atuam como orientadores, ou seja, são voluntários, e não definem a reparação e responsabilidade da empresa de forma efetiva.

Somente em 2014, depois de mais de 40 anos de discussão, que foi aprovada, pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, a Resolução 26/9. A partir de três reuniões de trabalho, o grupo apresentará um rascunho do tratado para que as negociações de adesão comecem a ser feitas.

Esse esforço, no entanto, não é simples. A captura corporativa afeta as negociações: a própria ONU é financiada pelo capital privado. Quando os lucros anuais de transnacionais, como a Google, Apple e Wallmart, superam os PIBs de diversos países, é fácil imaginar que sua esfera de influência também afeta as decisões do governo, inclusive na criação de leis que beneficiem suas ações no país.

Caso as negociações fracassem e os países não se comprometam com o conteúdo do tratado, existem processos paralelos, como o Tratado dos Povos, produto da articulação de grupos da sociedade civil através da campanha pelo desmantelamento do poder corporativo e fim da impunidade. Esse processo foi acionado na Cúpula dos Povos, na Rio +20, partindo de uma consulta global e de discussões entre os grupos afetados, centros qualificados e consultores. Tendo em mãos o documento fruto desses debates, que abrange o que os povos almejam enquanto parâmetro de proteção, o objetivo é pressionar politicamente os Estados.