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Pesquisadoras e pesquisadores abordam as diferentes facetas dos quadrinhos em mais uma tarde de apresentações da HQweek!

Por Helena Amaral

 

A linguagem acessível, a versatilidade e a democratização do acesso à informação são algumas das muitas características que podem ser atribuídas aos quadrinhos, cujo público é tão diverso quanto as temáticas e finalidades de uso adotadas pelos artistas. Estes aspectos permearam as apresentações da HQWeek! desta quarta-feira (27/05).

 

O uso de narrativas ilustradas para promover debates sobre assuntos de relevância social foi tema da apresentação de Leiliane Germano, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGCOM-UFJF). A discente, que pesquisa os quadrinhos e o feminismo, analisou as produções feitas pela ilustradora Mari Souza em sua página do Instagram a respeito de episódios de machismo ocorridos no Big Brother Brasil 20.

                                                                      

As postagens, mostradas por Leiliane, tratam de temas como banalização do assédio, relacionamento abusivo, mansplaining – termo cunhado a partir da junção das palavras inglesas man (homem) e explain (explicar), usado para descrever casos nos quais um homem assume que uma mulher não sabe sobre determinado assunto e tenta explicá-lo para ela –, e gaslighting – termo usado para se referir a situações de violência psicológica nas quais um indivíduo faz uso de mentiras e distorções para manipular alguém.

 

A partir do exemplo apresentado, a mestranda chamou a atenção para a utilização dos quadrinhos como forma de tornar acessíveis temas complexos e de alertar as pessoas sobre situações que elas podem estar vivenciando sem se dar conta. “A gente tem quadrinhos que contam a história do feminismo, sobre combate da violência contra a mulher, que contam a história da Maria da Penha. Muitos deles vão conseguir fazer essa tradução e alcançar pessoas que talvez um livro tradicional não alcançasse”, complementou.

 

Dando sequência às apresentações, a também mestranda do PPGCOM-UFJF Laura Sanábio abordou o jornalismo em quadrinhos no contexto da comunicação digital. Como ressaltado pela pesquisadora, apesar de se tratar de um gênero híbrido, que abrange aspectos do jornalismo e das HQs, o jornalismo em quadrinhos é algo único, com uma linguagem própria. “Quando o jornalista vai fazer a apuração, ele deve ter informações como o nome da fonte e local, mas o processo do jornalismo em quadrinhos exige uma roteirização de tudo que o jornalista vai fazer, o que não é muito presente no jornalismo tradicional”, explicou.

 

Dentre os aspectos positivos do gênero, a mestranda aponta a humanização do relato. Como exemplo, pode-se tomar o material que deu origem ao termo jornalismo em quadrinhos, o HQ “Palestina”. De autoria do jornalista Joe Sacco, a produção contempla uma série de reportagens sobre a situação da Palestina no início da década de 90. Além de aspectos como a guerra, Laura destacou ainda o uso do jornalismo em quadrinhos para cobertura de pautas relativas a denúncias, casos de violência, dentre outros temas que demandam abordagens mais sutis. A mestranda ainda complementou ressaltando as possibilidades de cobertura de assuntos que não encontram espaço na mídia hegemônica.

 

No que diz respeito ao jornalismo em quadrinhos no ambiente da internet, Laura destacou as mudanças em termos de temporalidade e alcance em relação às publicações impressas, bem como a maior facilidade de acesso a materiais gratuitos e as diferentes experiências de fruição decorrentes das características do meio – como a capacidade de memória/armazenamento, que possibilita ao leitor revisitar os materiais e tecer novos olhares sobre os temas ali abordados.

 

A versatilidade dos quadrinhos é reforçada pela apresentação dos professores da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Laila Cristina Moreira Damázio e Marcelo Siqueira Valle. Os dois apresentaram a HQ “Ensinando anatomia para adolescentes”, publicação resultante de um projeto de extensão e ensino desenvolvido na Faculdade de Medicina da instituição.

 

                                                                    

 

Conforme relatado por Laila, crianças e adolescentes de escolas da região costumam visitar o Laboratório de Anatomia do curso de medicina da UFSJ com fins de conhecer e aprender sobre o corpo humano. “A partir disso, nós sentimos a necessidade de construir um material didático que fosse adequado para esse público”, contou.

 

Realizado com participação de um estudante de medicina, o projeto também teve como objetivos desenvolver no acadêmico a vocação pela docência e aprofundar seus conhecimentos de anatomia humana, além de possibilitar o desenvolvimento de metodologias de ensino da biologia.

 

O quadrinho tem como personagem principal o Dr. R.I.P, um ex-professor de anatomia, já morto, que é desenterrado por um de seus alunos. Este último necessita dos conhecimentos do médico para ensinar seu filho a construir “Frankensteins”. A história se passa em um castelo, cujos cômodos são utilizados para retratar diversos eventos que permitem a compreensão do corpo humano. Como exemplificado por Marcelo, responsável pela criação da HQ, a sala de musculação é usada para ensinar sobre os sistema muscular, com representações dos principais músculos, informações sobre suas funções e curiosidades sobre os mesmos; a sala de jantar, por sua vez, é usada para trabalhar o sistema digestório, e a sala de teatro, ao retratar as emoções humanas, é usada para ensinar sobre o sistema hormonal.

 

Cópias em preto e branco do material foram distribuídas a alunos do ensino médio de escolas de São João del-Rei, de forma que eles pudessem colorir as imagens, interagindo de forma mais criativa com a HQ, incentivando-se, assim, a leitura do material. Por meio de uma pesquisa de satisfação junto aos estudantes, os pesquisadores observaram que a HQ contribuiu com o aprendizado da anatomia humana pelos mesmos.

 

 

Materialidade discursiva nas HQs

 

A construção de sentidos nas HQs também foi tema de um dos trabalhos apresentados na HQWeek! na tarde dessa quarta-feira (27/05). Isabela Rodrigues Vieira, mestranda em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), recorreu à materialidade discursiva para analisar os diferentes sentidos atribuídos pela suástica na HQ “Maus”.

 

De autoria de Art Spiegelman, o quadrinho relata a experiência da família do autor, cujos pais são sobreviventes da Segunda Guerra Mundial. Isabela identifica três vieses narrativos na obra: o primeiro relaciona-se à história de sobrevivência do pai do autor, Vladek Spiegelman, com relatos do conflito e da luta pela sobrevivência nos campos de concentração; o segundo refere-se ao relacionamento entre pai e filho, ao passo que o terceiro volta-se à própria história do autor, que narra sua visão de como a guerra afetou sua vida.

 

Para analisar os diferentes efeitos de sentido produzidos pela suástica, a mestranda analisou três trechos da história em quadrinhos. No primeiro deles, a suástica aparece ao fundo de seis cenários da HQ, posicionada de forma a representar o céu. Como explicado por Isabela, neste caso o uso do símbolo remete ao fato de que o nazismo já impera na Alemanha.

 

No segundo trecho, por sua vez, a suástica é representada em um caminhão que encontra-se à entrada de um campo de concentração. “Quando vejo esse símbolo da suástica no caminhão, já tenho esse pressuposto de que o caminhão pertence aos alemães e que dentro dele estão os judeus que estão sendo transportados para o campo de concentração”, explicou.

 

Por fim, a pesquisadora mostra uma imagem na qual Vladek e sua esposa, junto com outros judeus, buscam formas de fugir da guerra. Em um dos quadros apresentados, o casal anda por uma estrada cujo formato remete ao símbolo da suástica, o que, de acordo com Isabela, mostra que qualquer caminho escolhido por eles não os levará para fora do contexto do conflito.

 

O poder de significação das imagens é evidenciado pela mestranda ao ressaltar que “em nenhum momento, em nenhum trecho, foi colocado ou falado ‘esse é o símbolo do nazismo’, mas a gente consegue perceber, criar esses efeitos de sentido pela imagem. Então a materialidade discursiva não se dá só pela fala, pelo contrário, conseguimos produzir esses sentidos a partir da imagem”.