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Primeira mesa do HQweek propõe uma conversa sobre interatividade e processos de imersão nas narrativas

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Por Monique Campos

 

Os autores de histórias em quadrinhos Talessa Kuguimiya e Laudo Ferreira, e o professor universitário e pesquisador Ciro Marcondes, participaram da primeira mesa do HQweek, realizada na noite de 25 de maio. O evento, que acontece em plataforma de conferência online e redes sociais, trouxe como tema para o primeiro dia de debate “as tecnologias digitais como potencializadoras do processo de imersão”. A mediação da mesa ficou a cargo do organizador do evento, pesquisador e membro do Laboratório de Mídia Digital da Faculdade de Comunicação da UFJF, Stanley Teixeira.

 

Os artistas convidados apresentaram algumas de suas experiências em narrativas imersivas e debateram possibilidades de agregar novas tecnologias à produção de HQs, bem como de buscar novas formas de afetar os leitores. Talessa Kuguimiya utiliza QR Code em algumas de suas obras, o que possibilita a abertura para outras linguagens, como o cinema, a animação, música e fotografia. Na visão da quadrinista, esse diálogo entre linguagens contribui para a narrativa que está no livro, complementando-a. Laudo Ferreira conta que alguns de seus trabalhos de ilustração foram inspirados por músicas. Ele cita o processo de produção de “Yeshuah”, em que passou pela experiência de escuta enquanto desenhava, e mesmo em “História do Clube da Esquina”, trabalho totalmente ligado à música. Laudo comenta que foi uma experiência de criação interessante trazer música para os quadrinhos, algo que traria um potencial interessante para o processo de leitura, caso fosse produzido para ser ouvido também.

 
 

Na visão de Ciro Marcondes, os quadrinhos estão passando por um momento de “libertação da forma”, transformando-se radicalmente com as possibilidades de integração à mídia digital. Ele diz acreditar que, por mais tímidos que os ensaios de transmidialidade sejam atualmente, será cada vez mais forte um movimento de adicionar outras “camadas midiáticas” ou “outras matérias de expressão” à linguagem dos quadrinhos. Uma adaptação do quadrinista a essa nova ordem.

 

Seguindo o discurso de Marcondes, Talessa menciona que é necessário enxergar a ferramenta tecnológica como aliada, inclusive por ajudar a manter viva a essência dos quadrinhos. “O quadrinista é um contador de histórias”, defende, “inclusive vejo como uma ajuda na construção narrativa, uma proposta de expansão narrativa”, complementa. “Essa experiência primordial da leitura, de pegar o livro, pode agregar outras”, considera Ferreira. Para o autor de HQs, o artista precisa ter a abertura para propiciar outros exercícios de leitura e incluir suportes de mídias. Como uma obra que deve ser reproduzida e consumida, o quadrinho deve possibilitar interações que o livro por si só não dá conta.

 

Nesse sentido, Ciro propôs aos outros convidados a discussão de que “acrescentar camadas midiáticas” ao potencial expressivo dos quadrinhos nos levaria a pensar no tema da imersão. “O próprio ato de ler já é imersivo”, afirma. “O quadrinho é uma mistura de leitura com arte visual. Você lê, você completa, você imagina e você vê. Então como ampliar a imersão? Ou essa já é suficiente?”. 

Na visão de Laudo, trabalhar com uma experiência multimídia, acrescentando outras possibilidades e continuidades à narrativa, talvez ainda seja um desafio para os criadores em quadrinhos devido à tentativa de passar, de uma forma fiel, a experiência que o fã tem na leitura nos impressos. Talessa defende a criação de uma narrativa que se torna nova, experimental, partindo do que determinada mídia pode acrescentar à história. Ela conta que continua utilizando o suporte do livro em suas obras juntamente com outras mídias. O retorno dos leitores, segundo ela, é diverso. Alguns sentem desconforto ao migrar para o formato digital, afetando a leitura; para outros, isso não afeta a leitura nem a interpretação, pelo contrário, agrega.

 

Marcondes acrescenta que a linguagem vai acompanhando as mudanças na escala de trabalho, na economia e na forma em que é publicado o material dos quadrinhos. “Não podemos temer o novo”, afirma. Para ele, há uma transformação do estatuto cultural de toda a mídia a partir do momento que uma nova mídia surge. “E isso vai acontecer com os quadrinhos, com as novas performances digitais, o que não quer dizer que os quadrinhos na página, no impresso, vão sumir, mas vão entrar numa nova ordem cultural. Um ponto de equilíbrio em que essas duas formas encontrem seu lugar na expressão cultural”.

 

Sobre os convidados:

 

Ciro Marcondes é professor universitário, crítico e pesquisador de histórias em quadrinhos, cinema e literatura. É doutor em comunicação e mestre em literatura pela Universidade de Brasília (UnB), com passagem pela Paris IV – Sorbonne. Atualmente leciona no Mestrado Profissional em Inovação, Comunicação e Economia Criativa e na Faculdade de Comunicação da Universidade Católica de Brasília. Foi colunista sobre quadrinhos e cultura pop no portal Metrópoles. É membro fundador e editor chefe do site Raio Laser, especializado em crítica de histórias em quadrinhos.

 

Laudo Ferreira  é roteirista, ilustrador e autor de histórias em quadrinhos. Atua em produções de quadrinhos no Brasil desde 1980, transitando entre os cenários independente e editorial. Entre os inúmeros trabalhos, destaque de público e crítica para a triologia “Yeshuah”, “História do Clube da Esquina”, “Cadernos de Viagem”, para a série da personagem Tianinha, além das adaptações do “Auto da Barca do Inferno” e do filme “Meia noite levarei sua alma”. Ganhador dos prêmios HQ Mix e Ângelo Agostini. Também atua há mais de vinte e cinco anos como ilustrador.

 

Talessa Kuguimiya é artista visual, quadrinista, roteirista, ilustradora e especialista em animação clássica. É autora da série de quadrinhos “Memories”, indicada ao prêmio HQ Mix em 2019, além de “Minsk” (primeira obra interativa da autora), “Olho Verde” e “Cinco Vermelhos”, essa última indicada ao prêmio Ângelo Agostini em 2019. Participou das coletâneas “Visões de Guerra”, “Vertigo”, “Gibi de Menininha” (que foi vencedora do troféu Ângelo Agostini) e do projeto “Sob Trilhos”. Seus trabalhos são transmidiáticos em sua maioria.